CGD foi ao “perdão fiscal” e poupou 21 milhões
Banco público pagou dívida ao fisco a rondar 34 milhões de euros e mantém contestação nos tribunais. BE e CDS colocam pressão sobre Governo para divulgar grandes empresas que aderiram ao Peres.
A Caixa Geral de Depósitos (CGD) aderiu ao Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado (Peres), o “perdão fiscal” que o Governo lançou no final do ano passado e com o qual conseguiu um encaixe 588 milhões de euros para as contas de 2016, grande parte como receita extraordinária.
O banco público aproveitou a legislação apresentada pelo Governo e pagou uma dívida fiscal de cerca de 34 milhões de euros, obtendo um “perdão” de juros e custas de 21 milhões de euros. Com esta operação, decidida pela Caixa ainda sob administração de António Domingues, o banco do Estado pôde levantar a caução, ligeiramente superior a 50 milhões de euros, que havia feito. A CGD continua, no entanto, a contestar a dívida em tribunal, num processo que estará agora no Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Confrontada com estas informações, fonte oficial do banco público, apenas confirma que a Caixa aderiu ao Peres e que continua a contestar a dívida nas instâncias próprias.
A liquidação adicional de imposto sobre o rendimento de pessoas Colectivas (IRC) feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) é, aliás, descrita no relatório e contas de 2015 da CGD. “No exercício de 2009, a CGD foi notificada do relatório de inspecção da administração fiscal ao exercício de 2005, o qual determinou correcções à matéria colectável” num valor ligeiramente acima de 155 milhões de euros. Neste montante incluíam-se mais de 135 milhões de euros “de correcção pelo facto de a Caixa ter beneficiado da eliminação da dupla tributação económica do resultado de partilha da Caixa Brasil SGPS, S.A. nesse exercício”.
A CGD contestou, porém, as correcções “por considerar que o procedimento por si adoptado se encontrava de acordo com a lei fiscal em vigor” e, como tal, os rendimentos obtidos pela Caixa Brasil já tinham sido “sujeitos a tributação”. A partir deste entendimento, o caso chegou aos tribunais e, ainda em 2014, o Tribunal Tributário de Lisboa determinou a anulação daquela dívida, mas a AT recorreu e, em Abril de 2015, a Caixa foi notificada da decisão “do Tribunal Central Administrativo de Lisboa” que dava razão à AT.
Perante a situação, a CGD mantém que seguiu os procedimentos correctos e que já intentou “as diligências que a latitude da lei lhe permite para contestar esta decisão”, ou seja, recorreu para o STA, processo que ainda decorre. No entanto, e face à decisão contrária que obteve do Tribunal Central Administrativo de Lisboa, o banco decidiu “proceder ao reconhecimento, no exercício de 2015, de uma provisão no montante de aproximadamente 26 milhões de euros, para cobertura das contingências inerentes a este processo”. Por outro lado, “em resultado dos procedimentos de execução fiscal decorrentes das correcções anteriormente mencionadas, no decorrer do exercício de 2010, a Caixa procedeu à constituição de um depósito caução no âmbito da prestação de garantia para suspensão do acto tributário da liquidação”. O referido depósito caução, é, segundo o relatório e contas de 2015, ligeiramente superior a 50 milhões de euros.
O recurso ao Peres, tal como a anteriores perdões fiscais, sempre foram muito aproveitados pelas grandes empresas para aliviar as suas contas. Para além das provisões que ficam obrigadas a fazer quando se vêem confrontadas com liquidações adicionais de impostos, caso decidam recorrer para tribunal têm de apresentar garantias bancárias para travar a execução por parte do fisco, como o caso da caução da Caixa. Estas garantias são penalizadoras para as empresas porque, além de assumirem valores muito elevados (são calculadas somando o valor da dívida, dos juros de mora e custas, acrescida de 25% da soma daqueles valores) funcionam como um crédito bancário, diminuindo a possibilidade de contrair novos empréstimos.
Empresas do PSI-20
Além da CGD, outras grandes empresas terão aderido ao Peres, da Galp (segundo noticiou o Expresso) passando pela EDP, Jerónimo Martins, Corticeira Amorim e Cimpor (como avançou o jornal Observador). Destas cinco, apenas a Cimpor não é uma sociedade cotada do índice PSI-20. Para perceber de que forma a receita arrecadada no Plano se deve a grandes empresas, o BE enviou uma pergunta ao Ministério das Finanças sobre o peso das empresas do PSI-20 no valor conseguido pelo Estado no Peres, mas até ontem ao fim da tarde a resposta não estava publicada no site do Parlamento.
Ao PÚBLICO, o ministério também não esclareceu o assunto. Mas o tema voltará mais cedo ao mais tarde ao debate político, porque já nesta quarta-feira é votado na comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa um requerimento do CDS-PP para que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, seja ouvido no Parlamento. E o BE não está sozinho no pedido de explicações ao Governo. Também o PSD quer que o Executivo envie ao Parlamento informação detalhada sobre as grandes empresas que optaram por pagar dívidas ao fisco e Segurança Social através deste programa. E ainda sobre o programa de reavaliação de activos.
No caso da Jerónimo Martins, o relatório e contas confirma que o grupo dono do Pingo Doce ao decidir entrar no Peres decidiu pedir o cancelamento de uma parte das garantias bancárias emitidas a favor do fisco, num valor de cerca de 85,2 milhões de euros.
A EDP pagou no Peres cerca de 57,3 milhões de euros, conseguindo uma poupança de quase 20 milhões (porque as possíveis “contingências fiscais” poderiam rondar 76,7 milhões de euros, segundo a eléctrica).
A Corticeira Amorim pagou, por seu turno, 7,4 milhões de euros (5,4 milhões de IRC, mais dois milhões em imposto de selo), mantendo de pé os processos fiscais que já tinha movido.
No caso da Cimpor, a empresa utilizou cerca de 8,9 milhões de euros de provisões para cobrir riscos fiscais, sendo que este valor resulta “essencialmente” da adesão ao Peres da área de negócios de Portugal da cimenteira.
O Plano, ao qual aderiram 93 mil contribuintes com dívidas fiscais, permitia que as empresas e singulares pudessem pagar a dívida de uma só vez em 2016 ou optar por pagamentos a prestações até 12 anos e meio (pagando logo à cabeça 8% da dívida). Na primeira modalidade, a que mais facilmente aderem as empresas com fôlego financeiro para saldar uma dívida na íntegra, o contribuinte beneficiava do perdão dos juros compensatórios, juros de mora e custas associadas ao processo de execução fiscal.