António queria vingar-se mas não se lembra de ter matado vizinhos

Suspeito de quatro homicídios em Barcelos terá atirado a faca para um telhado, regressou a casa e telefonou à GNR. Em 2016, as vítimas terão recusado testemunhar em seu favor num caso de agressões.

Fotogaleria
Fotogaleria
Fotogaleria
Fotogaleria

A manhã desta sexta-feira rompera calma como tantas outras na freguesia de Tamel (São Veríssimo), em Barcelos. António Adelino Briote, de 62 anos, tinha voltado à sua terra há poucos meses, depois de ter estado internado na ala de psiquiatria do Hospital de Braga. Nada na habitual pacatez da Travessa de S. Sebastião indiciava o que se seguiu. Gritos, clamores de socorro e pedidos de ajuda à GNR. Quatro pessoas, uma das quais uma mulher grávida de sete meses, tinham sido mortalmente esfaqueadas. Pouco tempo passava das 10h.

António teria minutos antes saído de casa com uma faca de cozinha. Os vizinhos apareceram degolados, mortos. Teria sido António? O próprio viria a admitir à polícia que sim. Porquê? Não se sabe. António não se lembra (de tudo). Terá batido à porta dos vizinhos e degolou um após o outro, deixando uma mulher de 58 anos prostrada na rua. Numa casa próxima, um casal de idosos, ele com 84 anos e ela com 80, foram igualmente esfaqueados. Noutra habitação ao lado, foi atingida a mulher que estava grávida. Ao PÚBLICO o tenente-coronel Vaz Lopes, da GNR, confirmou que as vítimas foram todas esfaqueadas na zona do pescoço.

Após os crimes, o suspeito caminhou de regresso a casa, a poucos metros de distância. Pelo caminho terá atirado a faca, que os inspectores da Polícia Judiciária de Braga viriam a encontrar, para o telhado de uma das casas. Depois telefonou à GNR e avisou os militares de que teria matado quatro pessoas. Esperava na sua morada. Mas quando chegaram só terá admitido o que teria feito. A memória, terá realçado, não era suficiente para contar o que ocorrera. Aliás, sublinhou várias vezes não se lembrar do fio condutor das suas acções. Tinha apenas algumas memórias cortadas do sucedido. Foi levado já depois das 15h para a Polícia Judiciária de Braga e será interrogado na manhã deste sábado por um juiz de instrução criminal no Tribunal de Braga, indiciado por quatro crimes de homicídio e um de aborto, adiantou à Lusa fonte da Polícia Judiciária. Só depois se saberá a que medidas de coacção ficará sujeito enquanto decorrer a investigação.

António terá procurado vingar-se das vítimas devido à actuação que estas terão tido relativamente a um processo em que foi condenado em Novembro de 2016. Ter-lhes-á pedido para serem suas testemunhas abonatórias, mas estas recusaram. António, salientaram esta sexta-feira os habitantes da aldeia, terá jurado vingança.

Condenado a uma pena suspensa de prisão

Esta é uma das linhas de investigação que está a ser seguida, mas os indícios necessários para a fundamentar são esta sexta-feira ainda muito ténues. Ao início da noite, a investigação não tinha ainda encontrado uma motivação certa para o sucedido. António insistia que não se lembrava de (quase) nada.

António Adelino Briote foi condenado a uma pena suspensa de três anos e dois meses de prisão por agressões à filha e à ex-sogra em 2016, confirmou ao PÚBLICO fonte judicial. Os factos do processo que lhe valeram a condenação por ofensas à integridade física ocorreram em 2015, três anos após se ter separado da mulher. Atingiu então a filha e a ex-sogra com uma barra de ferro.

Do seu cadastro nada mais constará, apurou o PÚBLICO. Sabe-se apenas que o homem, que trabalhou no sector têxtil mas estará agora reformado depois de vários anos no desemprego, estava separado desde 2012. A ex-mulher deixou então o país e seguiu para França. António seguiu em direcção a uma depressão cada vez mais aguda. Foi por isso que, já em meados de 2016, ficou internado um mês e meio na ala de psiquiatria do Hospital de Braga. O médico que o acompanhava terá detectado um agravar da depressão e decido o internamento. Saiu entretanto depois de o seu estado ter melhorado, adiantou fonte policial.

José Dias, um morador da freguesia, confirmou que o suspeito estava separado da mulher. "Costumava vê-lo a circular pela rua e no campo de futebol. Nunca demonstrou este tipo de agressividade", disse, para acrescentar que a vítima mortal que estava grávida "era muito pacata". "O seu único azar foi morar perto do sujeito", acrescentou.

O presidente da junta de freguesia, João Abreu, admitiu que as agressões tenham decorrido de um desejo de vingança. "Era uma pessoa de trato social pouco agradável", descreveu João Abreu, para acrescentar que o suspeito ficou "bastante afectado emocionalmente" pelo divórcio. 

“Isto é um sítio sossegado”

A travessa de S. Sebastião, onde viviam todas as vítimas e o suspeito, fica elevada em relação às ruas principais da freguesia. Para chegar até lá é preciso percorrer uma espécie de labirinto entre artérias estreitas, casas de um ou dois andares e um sem número de quintais. No local, ouvem-se pontualmente as galinhas e uma pega, que um dos vizinhos mantém dentro de uma grande gaiola. Pouco mais.

“Isto é um sítio sossegado”, descreve Alice Gonçalves, 37 anos. Já não vive na freguesia onde nasceu, mas regressa todos os dias para almoçar com os pais, que estão reformados. Tamel (S. Veríssimo) é uma freguesia rural, três quilómetros a norte da cidade de Barcelos. Ali vivem cerca de 3000 habitantes, mas todos se conhecem pelo nome.

É o que acontece com Henrique Lima, um septuagenário que há 45 anos vive na mesma casa, no início da travessa de S. Sebastião. Era amigo de António Vale e Maria da Glória Vale, o casal de idosos mortos, com quem se cruzava diariamente: “Andavam sempre juntos. Iam sempre tomar o seu café e dar uma volta”.

Estava em casa na manhã desta sexta-feira quando se apercebeu do ruído das ambulâncias a aproximarem-se. Largou a lenha que estava a acartar e foi ver o que se passava. Antes disso, garante, “não tinha ouvido nada”.

À medida que a notícia da morte de quatro pessoas se espalhou, não pararam de chegar carros. De outros pontos da aldeia ou das localidades vizinhas. Nem todos conheciam as vítimas. Alguns foram só por curiosidade.

Sameiro, de quem nenhum dos vizinhos parecia saber o apelido, tinha 58 anos e era solteira. Entre a população local era conhecida por prestar assistência às pessoas mais idosas da freguesia. 

Marisa Rodrigues, 37 anos, mãe de uma criança de 10 anos, estava grávida do segundo filho. As autoridades não tinham sequer percebido que estaria também entre as vítimas e terá sido o próprio alegado autor do crime quem indicou à GNR o caminho para a sua casa.

Sugerir correcção
Comentar