Reforma da floresta: senhor Presidente, não há consenso!

Este Governo podia ter prevenido muitos incêndios e outros problemas. Tinha, e tem, os ingredientes para isso, mas não os usou.

O Conselho de Ministros aprovou a “Reforma da Floresta”. Há dias, o senhor Presidente da República apelou a um amplo consenso sobre esta reforma. Deste lado, lamento dizer que não há consenso.

Não há consenso porque esta reforma não se concentra naquilo que acho que é mais prioritário fazer. Num país que tem das percentagens de área florestal privada mais elevadas do mundo (a floresta do Estado não chega a 2%), sendo esta propriedade fragmentada em muitas partes do território e sendo a rentabilidade privada da produção florestal muitas vezes negativa, embora a sua rentabilidade social (a que tem em conta o valor dos serviços ambientais) seja positiva, as prioridades da política florestal deveriam ser as seguintes: apoiar a organização associativa dos produtores florestais, começando pelos que têm provas dadas nesse sentido, ou seja, começando por apoiar as organizações de produtores florestais já existentes; desenvolver mecanismos financeiros que permitam pagar aos produtores florestais que cuidam da sua floresta os serviços ambientais que ela presta; ligar estas duas linhas de acção através da utilização de parte desses mecanismos para fomentar o associativismo florestal sob a forma de contratos programa com um horizonte de médio prazo, envolvendo as organizações de produtores florestais, a administração central e os municípios, em que as organizações de produtores teriam autonomia de planeamento estratégico, em diálogo com estas entidades públicas, com acções cofinanciadas pelas três (ex. sapadores florestais, criação e gestão de ZIF [zonas de intervenção florestal], fitossanidade, etc.) e sujeitos a monitorização e avaliação externa por entidades independentes.

Sem prejuízo da possível bondade de algumas medidas às quais desejo o maior sucesso, a “reforma” que o Conselho de Ministros aprovou não se centrou nas prioridades atrás referidas.

Isto não foi porque quem tem responsabilidades públicas na matéria desconhecesse estas propostas. Na parte que me toca já perdi a conta às vezes em que, nos últimos 25 anos, tenho andado a falar e a escrever sobre assunto, várias vezes em eventos  em que participou quem actualmente tem responsabilidades políticas nesta área. Mais recentemente, no passado mês de Agosto, publiquei na página da minha associação no Facebook uma série de 18 posts que desenvolvem melhor estas propostas. A sua compilação foi enviada para a Presidência da República e para a Presidência do Conselho de Ministros. A Presidência da República amavelmente acusou a recepção do documento. Da Presidência do Conselho de Ministros ainda não chegou resposta.

Os pontos de partida para pôr em prática as propostas atrás apresentadas já existem e tudo poderia ser feito sem grande acréscimo de custos para os contribuintes. Já existe um conjunto de organizações de produtores florestais com boas provas dadas espalhadas por todo o país. Também já existe um mecanismo que pode permitir pagar aos produtores uma parte dos serviços ambientais que a sua floresta gera que é o Fundo Florestal Permanente para o qual todos contribuímos quando compramos combustível. Já existe um programa que poderia ser um embrião do regime de contratos programa atrás proposto que é o dos sapadores florestais.

O que é que falta, então, fazer?

O que falta fazer é o seguinte: corrigir deficiências que o programa de sapadores tem (ex. quase meio ano de demora entre o pagamento da terceira parte da comparticipação pública e o pagamento da primeira parte no ano seguinte; contar o serviço público dos sapadores aos fins de semana como se de dias úteis se tratasse, etc.); dar-lhe o âmbito mais alargado de contratos programa atrás proposto (ex. apoio à criação e gestão de ZIF, etc.); afectar o Fundo Florestal Permanente a esses contratos, tirando de lá o financiamento de entidades públicas que não são produtores florestais e que têm capacidade fiscal própria para poderem financiar o que quiserem fazer na floresta; instituir os mecanismos de monitorização e avaliação externa dos contratos programa.

Há umas décadas, o Governo de então fez um “contrato social” deste género com as IPSS que se tem mantido até hoje e que tem prevenido e extinto muitos “incêndios sociais”. Este Governo podia ter feito o mesmo para prevenir muitos incêndios e outros problemas que afectam a nossa floresta. O Governo tinha e tem os ingredientes para isso, mas não os usou. Por isso, lamento dizer: deste lado não há consenso em relação a esta “reforma”.

 

 

Sugerir correcção
Comentar