16 horas e 18 minutos:
Ana -“Houve um ataque em frente ao Parlamento. Não vás dar a tua volta hoje. Vai para casa“
16 horas e 27 minutos:
João -”Estás a gozar“ ”Chiça“
16 horas e 28 minutos:
João, o campeão gabarolas, ou apenas alguém muito estúpido -”Vou andar à mesma mas vou só até Vauxhall e volto“
16 horas e 29 minutos:
Ana, a esposa dedicada e amantíssima ou apenas alguém com a cabeça no lugar:”Não! Ontem aqui ao pé da escola houve um gajo a perseguir outros com um machado“
16 horas e 30 minutos:
João, depois de um valente puxão de orelhas (e gabo a paciência das mulheres para com os seus mais-que-tudo, e que bem nos faria um chinelo de vez em quando):”Ok vou andar de bicicleta amanhã“
Todas as semanas passo pelo Parlamento mais o Big Ben como parte do meu circuito de 39 km de bicicleta, incluindo a ponte de Westminster. Este percurso não foi escolhido ao acaso, funcionando como um postal semanal de mim para mim mesmo como recompensa pelas longas horas de trabalho. Afinal, poder ver o Big Ben todas as semanas é a melhor prenda possível para quem gosta de viajar, mas também pedalar, como se fosse um luxo poder dar-me ao luxo de contabilizar o tempo de cada volta pelos ponteiros do relógio mais famoso do mundo. E é. Hoje, 22 de Março de 2017, não fui andar de bicicleta. Às horas destas palavras, desde a ponte de Westminster ao Parlamento morreram 4 pessoas e 20 sofreram ferimentos entre atropelamentos, tiros e facadas: um cenário de guerra. Por onde passo todas as semanas, morreram pessoas apenas por estarem no lugar errado à hora errada. O mesmo pode acontecer com qualquer um de nós. Com qualquer um de nós, mas nem por isso com os senhores dentro do Parlamento. Esses não. O polícia que está à porta que dê a vida no seu lugar, pois assim é ser-se polícia, ou carne para canhão. Porque entretanto o Parlamento está em “lockdown“, ninguém entra e ninguém sai, e portanto descansemos, porque aos senhores responsáveis pelo desencadear desta guerra nada acontecerá e os acontecimentos de hoje foram apenas mais um episódio, ou uma batalha, entre muitos episódios e muitas batalhas pintadas a sangue, carne e ossos, o nosso sangue, a nossa carne e os nossos ossos nas ruas e nos passeios, disponíveis, vulneráveis, desprotegidos e por conseguinte ao alcance de quem se quer vingar a bom vingar por todas as bombas no Iraque, Irão, Afeganistão, Líbia, Síria, entre outros países predominantemente muçulmanos, também eles no lugar errado à hora errada, desde sempre e até qualquer dia.
Desenganem-se todos os que questionam como foi possível um atentado num dos lugares mais seguros do país, Parliament Square, porque sem segurança os mortos e feridos teriam sido muitos mais, bastando relembrar o Bataclan e os seus 130 mortos e 350 feridos para perceber de que modo o Reino Unido está hoje a anos-luz da dimensão de outros atentados.
Entretanto já começaram as teorias da conspiração, ou não estivesse a Escócia hoje a discutir um novo referendo pela independência. Só não percebo, não quero perceber e tenho raiva de quem percebe, o porquê deste meu sangue no passeio quando vinha apenas dar uma volta de bicicleta, o capacete caiu ao lado e os meus braços estão no chão ao mesmo tempo que um paramédico me vira de barriga para cima e inicia a massagem cardíaca. Já não me resta muito tempo, o céu cobre-se de azul e as malditas nuvens deste maldito país vão finalmente embora. Se calhar devia ter ido para casa.