As novas libelinhas
Até os automóveis estão cheios de pólen. As plantas estão com o cio. Ao canto do olho um louva-deus está a comer outro como um guindaste canibal especado diante do televisor da primavera.
A primavera propriamente dita só chega hoje mas os insectos e os passarinhos e as nespereiras já há semanas que estão em festa. Que é que se passou? Não receberam o lembrete para dia 21 de Março pedindo que guardassem a data nas agendas? Pelos vistos, não.
O termo técnico para o estado do tempo é "reles". Está frio e está vento. A diferença é que já nos podemos queixar: "já não estamos no inverno!" Estas temperaturas já não se "justificam". Onde se viu, num país dito temperado, uma primavera tão casaqueira e de golas tão levantadas?
No domingo obrigar-nos-ão a adiantar os relógios e a oferecer uma hora inteira da nossa existência, que só Deus sabe a falta que nos faz. Nesse dia o sol deitar-se-á, por pura batota, uma hora mais tarde do que na véspera. Mas todos nós sabemos que o sol não recebe ordens de ninguém.
Há novas libelinhas no ar. O tráfego aéreo começa a complicar-se, sendo cada vez mais difícil distinguir as naves inimigas das amigas. Os besouros andam aluados, batendo contra as nossas orelhas, fazendo directas. Há melgas do tamanho de girafas que não picam mas assustam.
Como será a primavera de 2017? Como impedi-la de tornar-se, mais uma vez, na mera ante-estação do verão de 2017? Dando-lhe valor, mantendo as narinas, os olhos, os dedos, os lábios e os ouvidos bem abertos.