O tempo que resta para salvar a Europa
Perante a América de Trump, a Europa tornou-se não só uma oportunidade mas também uma necessidade.
O tempo para salvar a Europa acaba este ano, porventura o mais tardar no Outono, encerradas as urnas na Holanda (já no próximo dia 15), na França (a 7 de Maio) e na Alemanha (em Setembro). Mas entretanto vamos ter, a 25 de Março, a celebração dos sessenta anos do Tratado de Roma que lançou os alicerces da actual União Europeia (UE). Aí, na Cidade Eterna, espera-se estabelecer os compromissos mínimos possíveis entre os 27 que restam no clube depois da saída do Reino Unido para manter aparentemente vivo um projecto comum.
Nunca esta Europa nascida há seis décadas pareceu tão profundamente dividida e frágil como agora, refém das expectativas que criou e do espaço que se propôs abranger, num alargamento imponderado a todos os quadrantes, do Oeste atlântico à fronteira com a antiga União Soviética, sem levar em conta as contradições geopolíticas insanáveis no espaço de uma geração. Daí que se fale novamente numa Europa de geometria variável ou a diferentes velocidades – cenário mais caro aos países fundadores e a outros como Portugal, mas temido ou mais claramente rejeitado pelo grupo de países do Leste que receiam a sua marginalização. Ora, um dos equívocos fatais pode residir nisso mesmo. Se não há Europa viável sem serem assumidas as diferenças que separam muitos dos seus Estados membros, é precisamente por causa disso que os compromissos se tornam inviáveis…
Significativamente, são os países do Leste onde vigoram regimes de matriz autoritária, onde o pluralismo e o Estado de direito não são respeitados – como na Hungria ou na Polónia – os mais refractários a uma redefinição do espectro europeu. Recusam-se a partilhar o património dos valores democráticos europeus, fecham-se num nacionalismo agressivo e xenófobo, mas, ao mesmo tempo, insistem em não querer sair do círculo de privilégios que lhes é concedido pelo estatuto de membros da UE. Ora, a eurocracia europeia, tão expedita em regulamentar – por vezes até à asfixia – a vida económico-financeira dos países mais frágeis e periféricos mas de cultura democrática, não tem sido capaz de impor, apesar das advertências retóricas, um idêntico rigor de comportamento aos que não cumprem os padrões mínimos de democracia e criam eles próprios as suas fronteiras geográficas e políticas (como se tem verificado desde a crise dos refugiados).
O predomínio avassalador das instâncias económico-financeiras sobre todas as outras – com prejuízo dos princípios civilizacionais que fundamentam o espírito europeu – provocou a maior distorção na vida da Europa nas últimas décadas, levando a que Estados em maior dificuldade, nomeadamente por causa da recessão e da bancarrota bancária, como é o caso de Portugal, ficassem colocados numa situação de dependência agravada. Se não fosse a Comissão Europeia, o salvamento da Caixa Geral de Depósitos – apesar da magnitude dos seus custos – não teria sido possível. Obrigado, Europa, pelo menos serves-nos para isto…
Mas se a Europa não é aquilo que devia ser, se o sonho europeu continua por concretizar, a verdade nua e crua é que não temos uma verdadeira alternativa fora da Europa – por mais que gritem em sentido oposto os profetas do populismo de extrema-direita ou alguns ensimesmados esquerdistas. Apesar dos ventos contrários – ou sobretudo por causa deles – não podemos abandonar a esperança europeia, até porque só nos restariam contrapartidas trágicas – e, não por acaso, isso foi compreendido pelos gregos. Face ao caos do mundo e às derivas populistas, o combate pela ideia de Europa é aquele que não podemos deixar de travar antes que o ano acabe. Perante a América de Trump, a Europa tornou-se não só uma oportunidade mas também uma necessidade.