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Velha portugalidade

Entendo que os defensores da velha portugalidade e da nova extrema-direita usarão todo o pretexto para se vitimizar e toda a ocasião para fazer dos outros vítimas.

Estou velho. Foi há cerca de 25 anos que, com um grupo de amigos e colegas da direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (sim, essa) nos vimos perante uma Reunião Geral de Alunos (RGA) que ordenou que fizéssemos algo que ia contra os nossos princípios — no caso, invadir um gabinete e vasculhar papéis alheios. Confrontados com os estatutos da Associação de Estudantes que ordenam que a direção cumpra com todas as ordens da RGA, preferimos demitir-nos a ter de obedecer.

Estou velho. Há mais ou menos 15 anos fui convidado para fazer um debate com Jaime Nogueira Pinto. Aceitei. Juntando 2+2, quer isto dizer que na polémica do momento — sobre um debate com Jaime Nogueira Pinto que não se realizou na minha antiga faculdade — estou à vontade: não só acho que os debates com Jaime Nogueira Pinto se podem e devem realizar, como já contribui para eles. E não preciso de alegar que me recusaria a cumprir com uma ordem da RGA com que discordasse por razões de princípio, porque foi isso mesmo que nós então fizemos.

Estou ainda velho quando me lembro que há dois anos apenas o núcleo de estudantes da Faculdade de Direito de Coimbra me convidou, junto com o Pedro Mexia, para um debate sobre Esquerda e Direita na atualidade. O Diretor da Faculdade proibiu esse debate. Não o adiou nem alegou não ter condições. Proibiu a realização do debate nas instalações da Faculdade de Direito que, segundo ele, não eram lugar para “debates ideológicos”. Essa proibição, que foi clara e cabal e não um diz-que-disse com explicações contraditórias, não gerou à época a repercussão que a polémica em torno de Jaime Nogueira Pinto gerou: não meteu ao barulho o Presidente da República, nem o ministro da tutela, nem o reitor, nem deu escândalo nas redes sociais. Foi isto graças à bonomia dos estudantes e do Pedro Mexia. Lá seguimos todos para o edifício de Matemáticas que deu guarida ao nosso “debate ideológico”, um pouco assim como a Associação 25 de Abril muito bem já propôs dar guarida ao debate de Jaime Nogueira Pinto (que contra o 25 de Abril lutou — ao passo que o Pedro Mexia e eu só lutámos com a matemática, mas nunca contra ela).

Um pouco menos velho estarei quando me lembro que há poucos meses um grupo de militantes de um partido de extrema-direita tentou invadir a sala do LIVRE onde estávamos a realizar um debate sobre “Como Combater o Trumpismo”. Se a polícia não nos tivesse protegido, as consequências teriam sido graves. À exceção de partidos como o BE, dos presidentes da Câmara de Lisboa e do Funchal, e das Assembleias Municipais de Lisboa e Almada, as altas instâncias não se pronunciaram sobre esta violação das liberdades de expressão e de associação. E nós também nos calámos quando percebemos que a extrema-direita estava a usar o caso para aparecer na imprensa.

Foi essa mesma extrema-direita que anteontem foi à Associação de Estudantes da FCSH para intimidar alunos e espalhar ameaças. E eu, sem usar escala para medir intolerâncias de esquerda ou de direita e sem tolerância para desculpar o indesculpável de qualquer lado que ele venha, noto apenas que Jaime Nogueira Pinto, os organizadores do seu debate, as redes sociais e as altas instâncias ainda não se pronunciaram para condenar o que se passou. Os estudantes da Nova merecem certamente a crítica; mas não merecem ser deixados sós, perante ameaças e intimidações, sem uma palavra de ninguém. E é aí que eu não fico só velho, mas velhíssimo. Por entender que os defensores da velha portugalidade e da nova extrema-direita usarão todo o pretexto para se vitimizar e toda a ocasião para fazer dos outros vítimas.

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