O rei da selva vai nu
A nova versão de King Kong é um entretenimento vistoso mas oco que passa o tempo a ver o que quer ser mas nunca se decide.
Há, pelo menos, uma coisa boa a dizer sobre esta enorme salganhada que transporta todas as marcas de “cinema feito por comité” com os olhos nas receitas: deve ter pago bom dinheiro a gente de quem gostamos muito, como Samuel L. Jackson, John Goodman, John C. Reilly, Brie Larson e Tom Hiddleston, por trabalho honesto que eles cumprem com o profissionalismo exigido para não deixar a reputação por mãos alheias.
Pena que o filme (segunda realização de Jordan Vogt-Roberts, vindo da escola Sundance) seja uma caldeirada tão desastrada: é um filme de monstros com alma de série B, orçamento e efeitos visuais de blockbuster e exigências de estúdio metidas a martelo, em nome da construção artificial de um qualquer “universo”/”franchise” que sustente os cofres da Warner por uns anitos a vir.
No essencial, Kong é uma remake/reboot do King Kong original, com uma expedição “científica” a ir explorar a mítica Ilha da Caveira, mas transpondo a acção para 1973 e incorporando na aventura uma divisão aerotransportada do exército americano – o que abre também a porta à ideia central do filme, que é tornar o combate entre Kong e os helicópteros numa espécie de regresso do Vietname, e a personagem de Samuel L. Jackson num espelho do Kurtz de Brando no Apocalypse Now de Coppola. Era preciso uma desfaçatez muito mais descomprometida e menos sisuda, menos manietada pelas necessidades do franchise, para levar a bom porto a ousadia da citação; assim, pelo meio do evidente cuidado visual posto por Vogt-Roberts na encenação, as referências ao Vietname de Coppola (e também do Platoon de Oliver Stone, já agora) são tão desconcertantes que parecem quase ofensivas.
Também ajudava se houvesse um argumento menos manta de retalhos, que parecesse menos um compacto para cinema de uma mini-série de longa duração e não pedisse só aos actores que vestissem o boneco. (Honra seja feita a John C. Reilly, que sozinho quase consegue compensar o que os outros não conseguem.) Sobretudo, ajudava sentir que estava toda a gente no mesmo comprimento de onda – em vez disso, Kong é um entretenimento oco que passa o tempo a experimentar roupas sem nunca decidir de qual gosta mais.