O feminismo de lapela

O feminismo radical só existe na mente de quem não lhe convém que as mulheres ganhem força no mundo social e laboral. E é essa demonização que atropela todo o conceito de feminismo e provoca a ignorância geral. É isso que leva as pessoas a pensar que feminismo e machismo são antónimos. E as mulheres são as primeiras a fazê-lo

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Esta época (aproximação do Dia Internacional da Mulher) é propícia ao surgimento daqueles comentários fantásticos como: “para que é preciso celebrar um Dia da Mulher, não querem igualdade?”; “também devia haver o Dia do Homem e nesse dia as mulheres deviam servir-nos”. Vá lá, basta fazerem o costume: ir ao Google e procurar a origem do 8 de Março. Façam isso e evitem a ignorância.

E por falar em ignorância, falemos de feminismo — esse termo ousado e nocivo, o qual as mulheres — que julgam ser pessoas — usam. Sem esquecer, claro, os homens que consideram o sexo feminino espécie válida. Esses também se assumem feministas. Que vergonha, já não há homens como antigamente. Pior do que isso só estas histéricas, que nem cozinhar sabem, que querem ganhar tanto quanto os homens, que querem sair à rua vestidas mesmo a pedi-las, que não suportam que se lhes toque, nem tão pouco que se lhe dirija a palavra na rua. Até ficam ofendidas se lhes dizem “senhoras primeiro”. É tudo um problema de educação e de se deixar que elas estudem. É claro que depois acham que podem mandar mais do que na cozinha. E ainda vêm dizer que feminismo não é o contrário de machismo.

Por momentos dei corpo ao pensamento de meio mundo. Não estou a inventar nem estou num processo de vitimização: antes estivesse. Fi-lo antes de passar ao assunto que me traz aqui hoje. Feitas as honras ao feminismo, é hora de vos falar de um tipo de autoproclamado estado feminista que está muito em voga, para o qual não foi necessário o aparecimento do Women Summit para revelar algumas das formas de encarar os movimentos feministas.

Ora, quero falar-vos do que chamo de feminismo de lapela: nada mais, nada menos do que gente que só é feminista para algumas coisas (muito poucas) — aquelas que não sujam as mãos, aquelas onde se serve o porto de honra. Reforço o “algumas” porque tudo é necessário.

Falso moralismo

Já devem ter chegado lá. Falo das mulheres que se dizem feministas apenas em colóquios, congressos, seminários. Tudo o que envolve vestir-se a rigor e criar divisões entre classes. Essas são aquelas que olham de soslaio para as manifestações, para os movimentos de reivindicação, para as marchas. Coisa horrenda e plebeia. Pior: são as que condenam, fora dos colóquios, as outras mulheres por não ambicionarem casar, por não precisarem de uma permanente presença masculina nas suas vidas.

E são estas mulheres que ajudam que prolifera o conceito de feminista radical quando, na verdade, o problema central é o falso moralismo, a aparente luta e o feminismo hipócrita das feministas de lapela. Porque, para estas senhoras o tema dá-lhes jeito — até dá para criar Summits com inscrições que por pouco não roçam o valor do ordenado mínimo. Porque dá currículo. Porque fica bem aparecer nas fotos ou ir aos colóquios para publicar no Instagram e no Facebook a sua habitual falsa vida.

Não é, no entanto, suposto que isto passe a ideia de que acho que o diálogo e debate formal não é igualmente necessário. É, obviamente. Mas não podemos nem devemos apenas rever a acção de luta pela igualdade apenas sentadas a ouvir a palestrante e a olhar para o powerpoint. A vida e a miséria, na prática, estão fora de portas.

O feminismo radical só existe na mente de quem não lhe convém que as mulheres (ou algumas mulheres) ganhem força no mundo social e laboral. E é essa demonização que atropela todo o conceito de feminismo e provoca a ignorância geral. É isso que leva as pessoas a pensar que feminismo e machismo são antónimos. E as mulheres são as primeiras a fazê-lo. Com ou sem lapela. O maior inimigo é sempre o inimigo interno. 

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