Kristen Stewart e os ectoplasmas

Uma estratégia para filmar a actriz quase sempre sozinha, a contracenar com “presenças” que, sendo invisíveis, podem ou não ser “reais”.

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O envolvimento narrativo descamba, mero pretexto para a relação de Stewart com a câmara
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Olivier Assayas descobriu Kristen Stewart em As Nuvens de Sils Maria e agora não a larga. Haveria ideias piores, por certo — Stewart é uma figura com graça, uma presença capaz de algum mistério, e bem merecia alguém que a arrancasse àquele universo dos Twilights que a popularizou e a mostrasse com outra luz.

Assayas, evidentemente, e parafraseando um célebre título de Truffaut, é um realizador “que gosta de mulheres”, ou pelo menos de actrizes, e não é raro construir os seus filmes em torno do impacto de uma presença feminina — Irma Vep, com Maggie Cheung, ou Boarding Gate, com Asia Argento, entre outros exemplos.

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E assim é Personal Shopper, inteiramente construído em torno de Kristen Stewart, aqui na pele de uma personal shopper (na prática: trata das compras e do guarda-roupa de uma grande vedeta sem tempo para se preocupar pessoalmente com esses detalhes) que tem, como atributo extra, dons mediúnicos, e anda a fazer o luto pela morte do irmão, ele próprio um “medium”.

A tangente ao sobrenatural — logo a primeira sequência, com a primeira aparição dum “ectoplasma” — é estranha, mas não é certo que Assayas esteja realmente preocupado em integrar Personal Shopper nessa linhagem de filmes. Parece, sobretudo, uma estratégia para filmar Stewart quase sempre sozinha, a contracenar com “presenças” que, sendo invisíveis, podem ou não ser “reais”. Algumas dessas cenas são particularmente conseguidas — pensamos, por exemplo, na longa sequência, filmada no decurso de uma viagem de comboio Paris-Londres-Paris, em que Stewart se debate com um ping pong de mensagens de telemóvel em diálogo com um desconhecido de “realidade” indecifrável (e se esquecermos as incidências narrativas, é um retrato certeiro da facilidade com que a comunicação “portátil” pode hoje sorver a atenção de uma pessoa). Para o resto, Assayas procura sobretudo um “ambiente”, assente em efeitos de uma estranheza um pouco pré-fabricada (como na cena em que a banda de som é tomada por uma canção de Marlene Dietrich).

E é aí que o filme se revela curto, o seu envolvimento narrativo a pouco e pouco descambando numa indiferença de mero pretexto para o que é de facto essencial: a relação de Stewart (mesmo em tarefas corriqueiras, vaivéns entre lojas, provas de guarda-roupa, consultas médicas) com a câmara. Uma coisa muito física — como uma espécie de longo screen test — onde o “sobrenatural” podia ser mero mcguffin se Assayas não perdesse tanto tempo com ele. Assim, tende para a exasperação.

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