Com Jackie, Pablo Larrain filma para o boneco
No centro de Jackie, as dificuldades de uma actriz em encontrar o seu "boneco" - na verdade, é o único (e involuntário) obstáculo do filme; e não é seguro que haja personagem.
Depois de ter parecido um aprendiz de Bernardo Bertolucci em Neruda (ainda não estreado em Portugal), Pablo Larrain faz figura de pequeno Oliver Stone em Jackie. O primeiro antecipava, o segundo confirma-o: o realizador chileno está a filmar já para o mercado internacional. Sobre o filme anterior (estreia portuguesa em Março) ainda podia defender que trocava as voltas ao biopic convencional, chutando para fora a hagiografia, até porque fazia do poeta e Nobel da Literatura Pablo Neruda uma figura de narcisismo flácido. Mas era um filme sobretudo intoxicado pelas possibilidades plásticas do que se jogava ali: maneirista, ficava a boiar na sua afectação. Já Jackie, que chegou a ser um projecto de Darren Aronofsky para Rachel Weisz, está formatado na reconstituição, no efeito de dar a ver.
É um objecto muito menos rugoso do que qualquer coisa que Larrain tenha filmado, pacificado, conformado. Não semeia obstáculos. O formato da entrevista - nos dias a seguir ao assassinato de JFK Jacqueline Kennedy aceita o jogo do gato e do rato que se estabelece entre entrevistador e entrevistado – é apenas um alibi para inundar o espectador com a sensação de que ele foi escolhido para penetrar nos bastidores da História. Porque é aí que Jackie começa a celebrar o seu contrato com a convenção: reconstituir a passagem de Primeira Dama a Viúva, a transformação em iconografia perante o olhar do mundo; reconstituir o corpo e os maneirismos de Jackie.
O que está no centro não é, então, um puzzle ou um intransponível buraco-negro (isso era a personagem de Tony Manero, filme de 2008 de Larrain), mas as dificuldades de uma actriz em encontrar o seu boneco - na verdade, é o único (e involuntário) obstáculo do filme. E não é seguro que haja personagem.