A identidade socialista
Hamon é mais um exemplo das dificuldades da esquerda europeia tradicional em cumprir o processo de reinvenção para o tempo que se vive hoje.
O candidato socialista às presidenciais francesas veio a Portugal em busca de uma referência. Benoît Hamon assume, em entrevista ao PÚBLICO, querer inspirar-se nas esquerdas que não se converteram ao liberalismo e nas soluções de poder que agregam diferentes forças políticas do mesmo lado da barricada. Mas a política não é uma ratatouille para onde se atirem toda a espécie de vegetais — ou ideais. Ao assumir querer renegociar dívida e a reestruturação financeira, está a prometer o que António Costa não fez e a alinhar com as forças de extrema-esquerda que, em Portugal como em Espanha e na Grécia, desafiam as regras europeias e os mercados. Não foram essas que ganharam as eleições. Tal como não foram frases idealistas sobre a prioridade absoluta da questão ecológica, que rendeu a Bernie Sanders o rótulo de elitista e a derrota nas primárias do Partido Democrata.
Hamon é mais um exemplo das dificuldades da esquerda europeia tradicional em cumprir o processo de reinvenção para o tempo que se vive hoje. Procura soluções poéticas que parecem desvalorizar a vida dos cidadãos e não é capaz de sair da bolha de superioridade que todos os dias é rebentada pelos populistas da Frente Nacional. França está em estado de emergência por causa dos atentados, tem um problema gravíssimo de integração e assimilação cultural dos imigrantes e continua a hesitar sobre os passos a dar numa Europa que precisa de clareza para não se desintegrar. É este cenário que os socialistas franceses têm de enfrentar para responder às aspirações dos franceses, não um qualquer modelo pan-europeu que pouco diz aos seus eleitores.
Se quer aprender algo com António Costa, o socialista francês pode começar pelo pragmatismo — a verdadeira receita que tem permitido governar por entre as exigências europeias e os desvarios dos seus parceiros de poder. Até porque, se por acaso Hamon olhou com atenção para a relação das esquerdas portuguesas, terá visto sinais suficientes de que não partilham uma mundividência e que pouco as une para lá da circunstância aritmética do poder.
E bem pode olhar para o resto da Europa, que não vai encontrar uma solução que salve os socialistas franceses — essa tinha de ter sido encontrada por François Hollande, que vai sair de cena sem sequer ser candidato, tão mau foi o seu trabalho. Pouco resta aos socialistas a não ser esperar que não seja Marine Le Pen a suceder-lhes na presidência.
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