Que competências queremos que os alunos tenham depois de 12 anos de escolaridade?

O tempo de discussão é agora. Depois será tarde. Só restará aos retardatários dizer: “Pois é… ninguém nos ouve: vem tudo lá de cima!”. E aí… será demasiado tarde.

Sempre ouvimos dizer que para uma construção ficar sólida tem que ter alicerces bem seguros. Esta imagem de engenharia civil de “alicerces seguros” é uma imagem feliz para nos transmitir a ideia que temos que construir bases consistentes onde assentem os desenvolvimentos subsequentes.  E esta imagem é válida para quase tudo o que queremos desenvolver: começar por baixo, pelos alicerces para depois construir o edifício.  Há certamente exceções a esta regra, mas uma delas é bem conhecida: a construção do currículo – isto é do “percurso” - que queremos que os nossos alunos façam na escola.

No currículo, paradoxalmente, o edifício tem que se começar pelo telhado, ou se quisermos enunciar a metáfora mais longe, os alicerces estão no telhado.  Quer isto dizer que quando queremos organizar um plano curricular, o que nos interessa, antes de mais, é quais são as suas finalidades, o que queremos, como queremos, quando queremos que os nossos alunos adquiram determinadas competências.  Assim, a elaboração de um currículo escolar começa por determinar quais as suas finalidades e, é a partir destas, que se organizam calendários, objetivos, conteúdos, estratégias e todo o conjunto de procedimentos que um currículo implica.

Encontra-se em discussão pública um documento que procura expressar qual o “Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória”. Este documento é frutode um grupo de trabalho criado pelo despacho 9311/2016 de 21 de julho que foi coordenado pelo Dr. Guilherme de Oliveira Martins. Penso que é desnecessário realçar a importância deste documento.  Na verdade, ele pretende expressar quais os fins últimos de um longo e exigente percurso escolar ao longo de 12 anos de escolaridade obrigatória.  É um percurso longo, que implica milhões de cidadãos nacionais e solicita vultuosos investimentos das nossas finanças públicas.  Não pode nem deve por isso ser menosprezado como se fosse indiferente ou irrelevante; como se fosse, “mais um”. É fundamental que ele seja lido (encontra-se para consulta no site da Direção Geral de Educação), discutido e eventualmente melhorado no âmbito de uma ampla e participada discussão.

Gostaria de realçar três aspetos que, neste documento, me parecem ser de grande interesse e inovação.

Antes de mais ao apresentar a escola e a Educação como preparatória “para o imprevisto, o novo, a complexidade e sobretudo desenvolver em cada indivíduo a vontade, a capacidade e o conhecimento que lhe permitirá aprender ao longo da vida” (p.8).  Encontramos aqui algo de novo e contrastante com um modelo convencional de Educação em que tudo era considerado certo, previsto, sequencial e lógico.  Introduz ainda a ideia – que é hoje em dia evidente – que a Educação não se pode resumir a um período da nossa vida (a conhecida confusão entre Escola e Educação) mas que é um processo contínuo e permanente tendo a duração da vida humana. A Educação vista como um “bem comum” e constante na nossa vida. É bem inspirador pensar numa nova organização curricular que encoraje o aluno a procurar e encontrar respostas face a um meio necessariamente complexo e inesperado e que essa competência esteja disponível e lhe seja útil ao longo da vida.

Um segundo aspeto de realce são os princípios ou valores que são transversais a todo este perfil. São oito estes princípios: 1. uma base humanista, 2. ensinar para a consecução efetiva das aprendizagens, 3. valores inclusivos, 4. desenvolvimento sustentável, 5. coerência e flexibilidade, 6. adaptabilidade e ousadia, 7. Estabilidade e 8. estabilidade e valorização do saber. Como sustentou o Prof. Andreas Schleicher da OCDE na apresentação deste documento, é fundamental que a Educação valorize as capacidades de resolução de problemas, de criatividade, enfim as capacidades específicas dos humanos e que, por este motivo, não são suscetíveis de serem substituídas por processos de automação.

Por fim, referir a apresentação de “competências – chave” entendidas como uma construção integrada de conhecimentos, capacidades e atitudes. Estas competências organizam-se em dez áreas que o documento enuncia e em relação a cada uma das quais apresenta descritores operativos.

Existe uma questão que é central em toda esta discussão: qualquer que seja o perfil, qualquer que seja o currículo, este só é possível ser posto em prática com a crença informada dos professores na sua correção, utilidade e exequibilidade.  Sempre se falou do “poder da porta” da sala de aula. Este poder significa que as reformas educativas têm a sua decisiva prova quando conseguem (e nem sempre conseguem…) ultrapassar a porta da sala de aula.  É crucial que não se passe o mesmo com este perfil. E porquê? Porque precisamos de saber para onde vamos para podermos planear a viagem e reconhecer os ventos que nos levam mais próximo do nosso destino. Precisamos ainda de fazer reflorescer a motivação de todos (alunos, professores e famílias) fazendo saber para onde vamos e disseminar a notícia que é possível chegar.

Resta incentivar todos os Conselhos Pedagógicos, todos os grupos de professores, associações de estudantes, associações de pais, sindicatos, etc. para discutirem este documento. Sem receio de concordar, sem receio de sugerir mudanças. Este documento tem para a nossa Educação uma importância semelhante àquela que tem Constituição da República para o nosso país. O tempo de discussão é agora. Depois será tarde. Só restará aos retardatários dizer: “Pois é… ninguém nos ouve: vem tudo lá de cima!”. E aí… será demasiado tarde.

 

 

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