Só dez anos de geringonça?
O que é certo é que na década a política se decidirá na questão europeia de sempre: ou austeridade ou o povo.
Porfírio Silva, dirigente do PS, lançou a pergunta: e se os partidos que apoiam o Governo estabelecessem um acordo para uma década? Tendo o cuidado de não se prender à forma da coisa, mas sem indicar objectivos, a proposta simplesmente sugere uma convergência perpetuada. Assim, não vai resultar.
Não resultou no passado: o PS levou às eleições uma Agenda para a Década e, convém lembrar, foi contra as suas propostas que se fizeram os pactos com o BE e o PCP. Mas, feitos tais acordos, é de facto de pensar na sua evolução.
Em todo o caso, há nisto um problema. Olhar para detrás do horizonte não deve ignorar os problemas candentes e eles são quatro, agora e não em 2027: salvar o serviço de saúde, reduzir a precariedade, banca pública e redução da dívida para financiar investimento. Portanto, sugiro que se comece por arrumar a casa, com prudência e caldos de galinha.
É evidente que em 2017 é preciso fazer “mais e melhor”. Por isso, sentindo há um par de meses a indefinição na preparação orçamental, Marisa Matias sugeriu uma actualização dos acordos, mas o PCP desinteressou-se e o Governo respondeu que os problemas se vão resolvendo dia-a-dia. Todos os parceiros reconheceram, no entanto, o óbvio: que há pontos essenciais dos acordos para quatro anos (o salário mínimo) e que há objectivos que são potentes e devem ser trabalhados ao longo do tempo (criar emprego, melhorar os serviços públicos, recuperar a economia). Os partidos de esquerda sublinharam, portanto, que os acordos não estão esgotados mas precisam de instrumentos de execução. Catarina escrevia este fim-de-semana no Expresso: “O acordo não está esgotado. O que chegou é um momento de clara separação de águas e que exige renovada determinação: a valorização do trabalho teria sempre a oposição patronal e europeia; a defesa das funções do Estado e um investimento público modernizador exigiria sempre a libertação dos recursos necessários. A reestruturação da dívida, necessidade que já ninguém contesta, deve deixar de ser tabu para o governo.” E Jerónimo de Sousa, no mesmo sentido: “É claro que há um processo que não está esgotado [...]. Há um mar imenso de questões que estão colocadas na posição conjunta.”
Aqui é que está o busílis: nas PPP da saúde, na gestão da banca, na lei laboral e noutros temas, o Governo parece mais inclinado para soluções em tensão com a esquerda do que para buscar acordos de maioria — o que prova que reduzir as conversas entre os parceiros a uma gestão do dia-a-dia cria instabilidade. É precisa mais solidez e uma forma de o conseguir seria definir um programa anual de prioridades com medidas concretas, entre os partidos e o Governo, com o Orçamento. Tudo ficaria claro e saber-se-ia com que contar cada ano e é a minha sugestão.
Quanto à década, para haver uma articulação entre o centro e as esquerdas seria necessário que construíssem uma visão comum para Portugal e a União Europeia. Mas ninguém sabe o que será a UE nessa década. É mesmo provável que, em 2027, tenhamos uma Europa muito diferente da actual, pois nem o euro sobreviverá a uma nova recessão nem a configuração do eixo Berlim-Frankfurt-Bruxelas resistirá aos incêndios que ateia. Um entendimento para uma década implicaria, portanto, uma condição, ter um rumo para salvar Portugal deste desastre. E, se há agora mais acordo sobre o diagnóstico, a solução de esperar para ver não permite saber o que fazer. O que é certo é que na década a política se decidirá na questão europeia de sempre: ou austeridade ou o povo.
P.S.: Critiquei aqui a proposta de Francisco Assis, que o Governo se demitisse para provocar eleições por causa da TSU. Respondeu-me com uma nutrida lista de insultos. Desejo-lhe as melhoras.