Jackie Kennedy encontra e perde o sentido da vida

Pablo Larraín filma Jackie Kennedy como uma mulher que encontra, e perde, o sentido da vida, com uma Natalie Portman irreconhecível mas algo perdida no boneco.

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Reconhece-se em Jackie o olhar de Larraín sobre a intersecção entre poder e desejo
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Jackie Kennedy quis que o marido tivesse um funeral de Estado comparável ao de Abraham Lincoln. Ao conversar mais tarde com um padre, a ex-primeira-dama Jackie revela a sua dúvida: que essa vontade de fazer uma parada histórica fosse menos uma sincera vontade de homenagem e mais uma pura expressão de vaidade humana, uma vontade de partilhar a sua dor com o mundo para melhor a suportar, um gesto de desafio, um pedido de ajuda — e se começamos a falar de Jackie por aqui, é porque o filme com que Pablo Larraín dá o salto para fora do Chile é um filme de gestos, simultaneamente magnânimos e desesperados, venais e generosos.

A viúva de John Fitzgerald Kennedy, focada nos momentos imediatamente anteriores e posteriores ao fatídico dia de Novembro de 1963, é aqui alguém que compreendeu, instintivamente e melhor do que ninguém, como os media iriam ter um papel fulcral na percepção da presidência do marido. Alguém que estabeleceu as novas regras desse jogo (através do especial televisivo de 1961 em que guiou uma visita à Casa Branca renovada que é usado pelo guião de Noah Oppenheim como elemento central da narrativa) e que foi por isso ao mesmo tempo senhora e vítima de si própria.

Reconhece-se aqui o constante olhar do cineasta chileno sobre a intersecção entre poder e desejo, amor e medo: o modo como a entourage política de Kennedy parece insistir em considerar Jackie como um bibelô, um peso-pluma, cada vitória da primeira-dama é um triunfo arrancado a ferros.

Larraín monta a sua história de uma forma fragmentada, não linear, como um quebra-cabeças cuja resolução implica dar constantemente saltos entre tempos e modos diferentes, e que só no final se ilumina por inteiro — ao mesmo tempo que, num truque de prestidigitação, mantém obscuras algumas das peças. Nesse aspecto, este é um filme “de autor”, que pouco ou nada cede à convenção do biopic, ou mesmo da narrativa institucional. E, como os anteriores filmes de Larraín — Tony Manero (08), Post Mortem (10) ou O Clube (14) —, é também uma elegia brutal e violenta por algo que se perdeu ou que talvez nunca tenha existido fora da cabeça das suas personagens: as possibilidades que se desvanecem, as portas que se fecham brutalmente sem possibilidade de voltar para trás.

Paradoxalmente, o “elo mais fraco” de Jackie é Natalie Portman. Irreconhecível como Jackie, numa composição inatacável e extraordinária em termos puramente físicos, Portman parece, no entanto, estar sempre em esforço, demasiado embrenhada em manter a ilusão exterior do “boneco” (e é isso que se subentende na sua nomeação para os Óscares, que adoram reconhecer a aparência da transformação). É verdade que é isso que Larraín lhe pede — que seja uma mulher em luta constante para encontrar o sentido para a vida —, mas só a espaços, como nos magníficos travellings por uma Casa Branca tornada mausoléu, Portman tem espaço de respiração para construir uma personagem. É uma opção que não prejudica a ideia do filme como caleidoscópio sensorial de emoções e momentos, faz até sentido para criar um efeito de distanciamento e se perder na personagem. Mas é também por aí que Jackie fica aquém da obra-prima. Resvés. 

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