Vulnerabilidades do país “estão a aumentar”, avisa a OCDE
Imprevisibilidade, tensões e recuperação lenta da Europa tornam crescimento mais incerto. OCDE alerta para a fragilidade das finanças públicas e da banca.
Ao olhar para Portugal, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) antevê uma recuperação gradual do crescimento do país, muito condicionada pelos “obstáculos estruturais” da economia; ao olhar para o Governo de António Costa, elogia a orientação orçamental, mas deixa uma lista de avisos sobre a situação ainda frágil das finanças: a margem de manobra nas contas públicas é estreita, a conjuntura externa incerta, a situação da banca vulnerável, a dívida pública elevada e o investimento escasso.
Os alertas surgem no relatório Economic Survey, um relatório publicado individualmente para cada país da OCDE de dois em dois anos, e agora com diagnóstico actualizado em relação a Portugal.
O documento – divulgado nesta segunda-feira e que esta manhã é apresentado em Lisboa pelo secretário-geral Ángel Gurría ao lado do ministro Mário Centeno – deixa um conjunto de recomendações ao executivo português, com quem partilha algum do diagnóstico sobre áreas onde são precisas reformas, como é exemplo a intenção de reduzir o peso do crédito malparado (empréstimos vencidos ou em risco de incumprimento) no balanço dos bancos.
Além de deixar alguns conselhos sobre políticas a adoptar – do mercado de trabalho à educação, passando pela banca ou pela regulação dos mercados concorrenciais –, o que a OCDE faz é dar a sua leitura da realidade económica e financeira. Ora elogiando as reformas do anterior Governo de Passos Coelho, ora elogiando as orientações orçamentais do executivo de Costa. E o que vê é uma economia a recuperar de forma progressiva, mas onde as “vulnerabilidades estão a aumentar”.
Tensões na Europa
Se a retoma que se seguiu à “profunda recessão” no período da troika beneficiou, segundo a OCDE, de uma “agenda de reformas estruturais de grande alcance”, teve a ajuda de “ventos” externos que sopraram a favor: a política monetária do BCE e a descida dos preços do petróleo.
Mas agora, vinca a instituição, “os obstáculos estruturais continuam a travar o crescimento e a exacerbar as vulnerabilidades” do país. Há um conjunto de factores combinados entre si que condicionam as perspectivas de crescimento da economia no médio prazo. Para a OCDE, são sobretudo dois – a “fragilidade do sistema financeiro, que é altamente vulnerável a choques externos, e o elevado endividamento dos sectores público e privado”.
Plano para a banca
Em relação ao sistema financeiro, a OCDE admite que “desenvolvimentos adversos no sector bancário, em Portugal e a nível europeu, poderão tornar necessária ajuda pública adicional, numa altura em que o espaço orçamental é limitado, e levar ao bail-in [resgate] por parte dos credores privados”. A juntar ao cenário de imprevisibilidades, acrescenta outro aviso: num cenário de “estagnação e novas tensões na Europa”, uma retoma mais lenta dos outros parceiros europeus tem impacto nas exportações portuguesas.
Um dos riscos identificados pela OCDE é que a fragilidade dos bancos “no contexto de baixo crescimento pode levar a uma deterioração das finanças públicas”. E a própria confiança nos bancos portugueses “também poderia sofrer do contágio devido às dificuldades adicionais em bancos europeus”.
Apenas uma das quatro grandes agências de rating mundiais têm a nota portuguesa acima do nível de “lixo” financeiro (a DBRS), o que permite o acesso aos mecanismos de financiamento do Banco Central Europeu (BCE). Uma eventual descida do rating “poderia tornar mais difícil o acesso ao financiamento externo, incluindo a capacidade dos bancos em obterem financiamento junto do BCE”. Um alerta que surge numa altura de maior pressão sobre a dívida portuguesa, depois de os juros das obrigações a dez anos terem voltado para o patamar de 4%, pressionados pela redução das compras de dívida por parte do banco central da zona euro. São “vulnerabilidades de curto prazo” a que se juntam outras de médio prazo, como a dimensão do crédito malparado, insiste a OCDE.
A instituição recomenda o Governo a avançar com um plano “credível e suficientemente ambicioso para reestruturar os empréstimos improdutivos [o malparado]”, propondo sanções para os bancos que não submetam um plano ou não cumpram o plano aprovado pelo regulador.
Consolidar contas públicas
Sobre a consolidação das contas públicas, a organização nota que o país fez progressos ao longo dos últimos anos para reduzir o défice, depois de ter atingido 11,2% do PIB em 2010.
Agora, “a orientação orçamental é globalmente neutra em 2016 e 2017”, o que para a OCDE “parece apropriado, tendo em conta que a recuperação económica ainda é frágil”. No entanto, avisa que a consolidação das contas ainda é exigente e adiá-la com o objectivo de “apoiar o crescimento implica riscos” enquanto a sustentabilidade das finanças for frágil.
A recomendação da OCDE, conhecidas já depois de o Governo garantir que o défice não será superior a 2,3%, passa por “manter a consolidação orçamental gradual, para assegurar a redução da dívida pública sem pôr em risco a retoma”.
Desemprego nos dois dígitos
Quanto ao crescimento, que o Governo prevê ser de 1,2% este ano, a OCDE sublinha que “as perspectivas de crescimento dependerão cada vez mais de políticas que permitam à economia competir com sucesso e gerar novas oportunidades de criação de rendimento”. Para a organização, criar as “bases para um crescimento robusto” exige que haja um novo impulso no que chama de “reformas estruturais”.
Sobre os níveis de desemprego (de 10,2% em Dezembro), a OCDE prevê que a trajectória de descida da taxa seja agora menor do que nos últimos dois anos, continuando na casa dos dois dígitos, ou seja, se mantenha à volta dos 10%.
No essencial, são quatro as mensagens-chave do relatório: o crescimento tem sido lento e ainda enfrenta “ventos contrários”; a fragilidade dos bancos “precisa de ser resolvida o mais rapidamente possível para reduzir os riscos orçamentais e restaurar o crescimento do crédito” às empresas, reduzindo ao mesmo tempo o peso que o malparado representa no balanço dos bancos; para haver mais investimento, é preciso combater várias frentes, reforçando a capacidade do sector financeiro, reduzindo o endividamento das empresas e aumentando a eficiência dos processos de insolvência; é preciso pensar a longo prazo para aumentar os níveis de bem-estar da população e reduzir as desigualdades.