Trump: a culpa é do ‘politicamente correcto’ …
Marine Le Pen é uma face europeia, por mais que isso custe a admitir por trumpistas e anti-trumpistas condescendentes.
Três exemplos colhidos no jornal on-line Observador. Antes ainda da tomada de posse de Donald Trump, Rui Ramos escrevia: "…entre a intolerância, a mentira e o assédio, os anti-trumpistas vão praticando o que clamam que Trump fez ou fará mais tarde. Se estes são os defensores da democracia, então a democracia não precisa de inimigos". Segue-se José Manuel Fernandes, com Trump já na Casa Branca: "Nas últimas semanas assistimos a um assalto do ‘politicamente correcto’ que tratou de impor uma linguagem única que, mais do que corresponder a valores democráticos e humanistas partilhados por todos, correspondem à tentativa de impor uma agenda ideológica de ‘engenharia social’". Finalmente, Paulo Tunhas: "Mais depressa Trump fará coisas boas pelos Estados Unidos, e até pelo mundo, do que Costa o fará por Portugal".
Estes três exemplos são reveladores da excitação provocada pelo fenómeno Trump junto de alguns círculos conservadores (ou neo-conservadores) com colunas regulares nos media portugueses. Entre uma ostensiva devoção ao novo Presidente americano e uma eventual distância crítica relativamente aos seus "exageros" – devoção e distância que por vezes se confundem – há um persistente traço comum: o de atribuir a origem das medidas anunciadas por Trump a uma reacção inevitável ao ‘politicamente correcto’. Ou seja, a ideologia do ‘politicamente correcto’ que se impôs – e, pelos vistos, continua a impor-se – entre as elites americanas, europeias e do resto do mundo, está na origem do impetuoso levantamento trumpista.
Se não fosse essa terrível ditadura da correcção política, Trump não teria existido, existiria sob uma forma menos imprevisível ou "perigosa" e, segundo os trumpistas mais acérrimos, não seria alvo da "intolerância, a mentira ou o assédio" (sic). De qualquer modo, consolemo-nos, ele fará mais pela América e o mundo do que Costa por Portugal! O horror a Costa parece ser simétrico da devoção a Trump…
Tudo o que Trump lançou até agora – a cruzada contra a imigração, o muro na fronteira com o México, o elogio da tortura, entre tantas outras coisas inusitadas – fê-lo ora por prevenção sábia, ora por continuidade com políticas de Obama, que este não assumia e ele proclama com fervor, ora por recusa dessa praga do politicamente correcto (ou ainda porque, apesar dos factos, tudo isso foi mais uma invencionice dos anti-trumpistas). Sem esquecer, é claro, os efeitos da globalização, antes tão incensada pelos neo-conservadores, entre os excluídos das classes baixas brancas e as zonas mais pobres dos Estados Unidos, prometidos agora à prosperidade por uma Administração de ex-banqueiros, multimilionários, militares e ideólogos da extrema-direita.
É um facto que Trump ganhou as eleições – apesar dos três milhões de votos a mais de Hillary, que ele atribui a imigrantes ilegais… – porque beneficiou da desestruturação social na América e no mundo depois da tempestade da globalização (não de um ‘politicamente correcto’ em notório retrocesso ou reduzido a uma caricatura). Face a isso, porém, Trump opõe uma América fortaleza, fechada sobre si própria, isolacionista e proteccionista, através de uma cavalgada de medidas e provocações que desafiam a verosimilhança, como se estivéssemos num filme de ficção-científica ou numa comédia burlesca com desfecho trágico.
Entretanto, avisam trumpistas e anti-trumpistas mais propensos à acomodação: é preciso ter cuidado e não reagir de forma incendiária, juntando óleo ao fogo. Aviso sábio… Trump não é Hitler, mas Hitler começou a levantar a cabeça depois da inclinação servil dos líderes europeus perante o nazismo na conferência de Munique. E Marine Le Pen é uma face europeia de Trump, por mais que isso custe a admitir por trumpistas e anti-trumpistas condescendentes. Se o ‘politicamente correcto’ está na origem do fenómeno Trump então ele é – como já aqui escrevi – a nova expressão do ‘politicamente correcto’. São porventura, segundo J. M. Fernandes, os custos da ‘engenharia social’…