“Se não pedimos para nascer também não temos o direito de determinar quando vamos morrer”
Antes do início debate sobre morte assistida arrancar no Parlamento, houve quem marcasse presença junto à Assembleia para defender que o país deve ser "solidário para as pessoas que sofrem". Sem eutanásia.
O protesto convocado pelo movimento Stop Eutanásia foi tranquilo. Algumas dezenas de pessoas juntaram-se nesta quarta-feira em frente à Assembleia da República. A manifestação, organizada por este movimento cívico, teve início poucas horas antes do debate no Parlamento de uma petição que defende a despenalização da morte assistida. Com uma única palavra de ordem: “Aliviar a dor, matar não.”
Maria Alice Alvim tem 56 anos e oito filhos. É uma das participantes na manifestação em que os cartazes pedem que as pessoas “parem” , “escutem” e “pensem” sobre o tema. A jurista viveu duas experiências de cancro. O filho Salvador recebeu aos dez anos o diagnóstico de um cancro supostamente incurável e que lhe daria um ano de vida. Sobreviveu. O marido, também com um diagnóstico oncológico, viveu apenas dez meses.
Para Maria Alice Alvim estes dois casos mostram que nem todos os desfechos são iguais, mesmo quando a medicina tem grandes certezas. Em qualquer dos casos, defende o melhor dos tratamentos até ao fim. “Foram situações de uma grandeza extraordinária, pela intensidade do que nos foi pedido. Vivi dez meses para ajudar o meu marido a morrer bem. Isso faz-se amando muito e ajudando muito”, garante. E acrescenta: “Não pedimos para nascer e também não temos o direito de determinar quando vamos morrer.”
A manifestante reitera que a morte faz parte da vida e considera que a eutanásia não é a resposta ao “respeito pela dignidade da pessoa humana que sofre”. “O Estado deve suprir o que o particular não consegue dar e ajudar o particular a dar a essas pessoas qualidade de vida até morrer”, contrapõe.
Mais cuidados paliativos
Este é aliás o grande apelo deixado pela maioria dos presentes no protesto. Marta Roque, do movimento Stop Eutanásia, insiste que o que o país precisa é de apostar em boas respostas de cuidados paliativos e em apoio psicológico aos doentes. A representante alerta também para os perigos que a despenalização poderia trazer, dando exemplos de outros países onde a morte assistida “passou rapidamente” dos doentes terminais para casos de doença mental ou de demências.
No protesto cruzam-se várias gerações. António Pinheiro Torres é advogado, tem 54 anos e conversa com António Pedro Barreiros, de 20 anos, aluno de Ciência Política. Em comum dizem que têm um grande respeito pela vida. “Venho afirmar que podemos ter um país solidário para as pessoas que sofrem. Quem se encontra em sofrimento tem de encontrar da parte do Estado e da parte da sociedade uma ajuda e não uma proposta de que a pessoa morra”, argumenta o mais velho. “A minha geração tem um grande sentido de justiça e um grande amor à vida. A vida é um direito inalienável e inviolável e isso está na base de toda a posição que tomamos”, corrobora o mais novo, acrescentando que “sem vida não há mais nenhum direito e por isso não há o direito a acabar com a vida”.
Mas quem decide seguir com a vida em frente, mesmo sabendo que o diagnóstico encurtará os anos, assegura que o sistema público de saúde nem sempre responde. Inês Dias da Silva tem 35 anos e um filho de quatro anos com uma doença genética hereditária, grave e incurável. Na gravidez preferiu não saber se o bebé tinha a mesma doença que duas das suas irmãs tiveram. Sabia que não faria um aborto.
Pedro nasceu com o mesmo problema e Inês sente que muitas vezes os profissionais de saúde olham para este caso “como um caso que eu podia ter evitado não seguindo com a gravidez”. Inês deixou de trabalhar para tratar do filho. “É um doente paliativo, não sei quanto tempo pode viver. Mas gostava que leis como a do aborto ou da eutanásia não nos empurrassem ou dessem a entender que há uma escolha mais certa e que é a que traz menos custos de tratamentos para o Estado.”