Eutanásia e consciência individual
A despenalização da morte assistida será decidida individualmente pelos deputados e não estrategicamente pelos partidos. É disso que se trata. Responsabilidade
A Assembleia da República discute hoje uma petição favorável à despenalização da morte assistida e o mesmo deverá acontecer em breve com uma petição oposta — entregue há uma semana — , que rejeita qualquer legislação nesse sentido. Mas as petições não se votam. São discutidas em três minutos, o tempo que o regimento atribui a cada bancada para se pronunciar sobre as petições “Direito a morrer com dignidade” e “Toda a vida tem dignidade”. Mas lá chegará o dia no qual o Parlamento se pronunciará sobre os projectos-de-lei do BE e do PAN a favor da despenalização.
Como outras questões que se prendem com escolhas individuais não normativas, este tema está longe de ser consensual na sociedade portuguesa e, desde logo, entre os próprios partidos. A primeira é subscrita, entre outros, por João Semedo e José Manuel Pureza, do BE, Paula Teixeira da Cruz, Pacheco Pereira e Rui Rio, do PSD, ou por figuras como Sobrinho Simões e Miguel Esteves Cardoso. Os dois projectos que aguardam agendamento são o seu corolário. Coerentemente, a segunda petição, subscrita por Bagão Félix, Anacoreta Correia, Ferreira Leite ou o seleccionador Fernando Santos, terá todo o colhimento junto do CDS. Bem, mas se a inclinação dos grupos dos extremos do Parlamento é previsível, o que dizer das restantes bancadas? O previsível PCP, em matérias como esta é imprevisível e tanto se pode abster como preferir a via mais conservadora. Uma coisa é certa: não dará liberdade de voto.
Donde, a decisão de tudo isto cabe aos deputados do bloco central. O PS e o PSD vão adoptar a mesma atitude que adoptaram em outras matérias de difícil posicionamento ideológico: concedem liberdade de voto aos seus deputados e abstêm-se de propor legislação — as deputadas Maria Antónia Almeida Santos e Isabel Moreira defenderam, no último congresso do PS, que o partido deveria apresentar a sua própria proposta, mas a sugestão nunca foi discutida. Foi precisamente isso que ambos fizeram quando o Parlamento votou as leis do casamento e da adopção por casais homossexuais. Por boas e más razões, a despenalização da morte assistida (suicídio medicamente assistido quando realizado pelo próprio doente, e eutanásia quando o fármaco letal é administrado por outrem) será decidida individualmente pelos deputados e não estrategicamente pelos partidos. É disso que se trata. Responsabilidade.