Trump: Soem as trombetas, buzinem os trompetes!
Por agora não podemos continuar quedos e mudos. Gostamos demasiado da América, dos Estados Unidos, dos americanos, da sua cultura e do seu apego e amor à liberdade para calar.
1. Há momentos na vida política – nacional, europeia ou internacional – em que não se pode ficar calado, em que não se pode permanecer silente, em que não se pode hesitar. A ascensão de Donald Trump, a escolha cirúrgica da sua equipa e o teste imediato e implacável do seu programa são um desses momentos. Não nos podemos resignar, não podemos pactuar, não podemos esperar por um desanuviamento num futuro mais próximo ou mais remoto. Simplesmente e sem mais: não podemos.
2. Desde o primeiro momento, a posição que mais me chocou – e que talvez nem fosse a mais chocante do inventário das suas promessas e compromissos – foi o modo como Trump se referia ao México e, por arrastamento, aos mexicanos. A humilhação e a diabolização de um país – que, além do mais, é uma democracia e procura ser um Estado de Direito, apesar de dificuldades e problemas gravíssimos – é absolutamente deplorável. Uma coisa é a denúncia de um Governo opressor, totalitário, agressor, sanguinário ou até corrupto; outra, radicalmente diversa, é a hostilização desse país enquanto tal e, pior ainda, da sua população e do seu povo. Não faltam exemplos, no plano internacional, em que se justifica usar de um discurso duro e hostil e até adoptar medidas de cariz condenatório ou até sancionatório. Atacar e ostracizar o terrível ditador da Coreia do Norte em nada implica rebaixar a Coreia, os coreanos ou a cultura coreana. Denunciar as manipulações omnipresentes de Putin e a sua política agressiva e expansionista, na Ucrânia como no Cáucaso, não deve nunca ser confundido – embora, às vezes, escutando alguns dirigentes europeus, seja ou pareça – com um ataque à Rússia, aos russos ou à cultura russa. Os países, os Estados e, mais do que eles, os seus povos merecem respeito e são frequentemente as primeiras e principais vítimas desses regimes e dos seus protagonistas. Mas o México, com todas as suas limitações e adversidades, não está decerto nessa lista. Nunca uma retórica segregadora, discriminatória e humilhante será admissível, mesmo quando os Estados são governados por facínoras. A dignidade de uma nação ou de um Estado, do seu povo e da sua cultura terão sempre de ser acautelados. Mas lidar com o México e os mexicanos, e até com as suas autoridades, como Trump lidou em campanha e lida agora no exercício presidencial é de todo inadmissível.
3. Se este foi o meu primeiro e longínquo sinal de alarme, as declarações e medidas dos últimos dias são uma inacreditável, mas irrefutável, confirmação dos piores receios e temores. Em especial, a apologia da tortura como método aceitável, válido e eficaz (!) de interrogatório e de investigação. Em particular, o banimento de categorias de pessoas em função da sua nacionalidade ou religião, muitas delas, diga-se, já com visto ou com autorização de residência. Não pode haver um único cultor dos direitos fundamentais e dos direitos humanos que se conforme com a adopção destas medidas – claramente inconstitucionais à luz do direito norte-americano e internacional – ou que se acomode simplesmente ao discurso e à retórica que as defende e propagandeia. Não se pode acreditar e respeitar a dignidade humana e fazer a apologia da tortura. Não se pode dizer que se defende o Estado de Direito e os princípios liberais e conviver pacificamente com uma discriminação com base na religião ou na nacionalidade. Há limites que não podem ser ultrapassados em lado nenhum. E já nem falo no argumento paradoxal de estas medidas e declarações servirem integralmente os intuitos do terrorismo fundamentalista. Essa seria sempre uma razão táctica, ainda que válida. Aqui estão em causa princípios irredutíveis, ponto final.
4. Para lá desta questão essencial de valores, há ainda a voragem proteccionista, que está já abandonar o Pacífico ao jogo de poderes regionais e globais. Para quem vê na China, aliás com razão, uma séria ameaça militar no futuro, a entrega do Pacífico à sua sorte é contraditória e bizarra. E o mesmo se diga da sanha anti-europeia de Trump, que oferece de bandeja todos os pontos aos seus aliados populistas e à vertigem desestabilizadora de Putin. Com o assédio anti-imigração primário de Wilders na Holanda, os partidos mais responsáveis e, designadamente, o primeiro-ministro Mark Rutte hesitam em denunciar a alarvidade da visão de Trump. Situação idêntica pode tender a ocorrer em França e na Alemanha, pelo bullying discursivo de Le Pen e de Petry. Não digo, nem nunca direi, que, em muitos países europeus, não é preciso repensar e enquadrar a política de migração (que é diferente da política de acolhimento de refugiados, tout court). Mas ceder ao discurso xenófobo, à demonização do outro, à legitimação da discriminação pela discriminação é sempre inaceitável. A isto soma-se a hostilidade à NATO e as reticências na cooperação na área da defesa da Europa. Não está em causa reconhecer que a Europa pode e deve fazer mais pela defesa e segurança em termos financeiros e não só. Nem está em causa reconhecer que a NATO precisa de um ajustamento estratégico e operacional para passar a poder responder eficazmente a fenómenos relativamente novos como a “guerra ao terrorismo”. Mas entregar os países bálticos, a Polónia e a Roménia aos apetites de Putin e da sua “guerra de nervos” é totalmente incompreensível.
5. Apesar de Donald Trump ser Presidente de uma democracia liberal e de dever a sua eleição mais ao lado liberal e federal do regime do que à dimensão democrática do mesmo, ele fala e actua como um dos grandes patronos da democracia iliberal. Digo e repito para memória futura: há coisas que não podemos deixar passar. Se o sistema político-constitucional norte-americano, com os seus pesos e contrapesos, o contiver ou se ele, no futuro, se retratar, tanto melhor. Mas por agora não podemos continuar quedos e mudos. Gostamos demasiado da América, dos Estados Unidos, dos americanos, da sua cultura e do seu apego e amor à liberdade para calar.
SIM e NÃO
SIM. Cimeira do Sul da Europa. Apesar dos resultados nulos da reunião, a aposta na diplomacia “intra-europeia” é uma via correcta. Deve ser replicada noutros eixos de afinidade (países da coesão, médios, atlânticos).
NÃO. Escolas em derrocada. O resultado das “cativações permanentes”, que mais não são do que grandes cortes no Estado social, está à vista. Dezenas escolas em condições miseráveis, com a vénia do PS, do Bloco e do PCP.