A encantadora morte de Luís XIV
A impotência dos humanos, perante a morte, é comovente e hilariante em A Morte de Luís XIV. Se quisermos ver na sua determinação descarnada um statement de Albert Serra sobre o cinema e o espectáculo, é caso para dizer que o realizador vestiu a camisola.
A Morte de Luís XIV é um filme sobre uma agonia: as duas semanas do ano 1715 em que cortesãs, médicos, eclesiastas, ministros desfilaram perante um leito real enquanto a gangrena conquistava o corpo de um homem.
O cineasta catalão Albert Serra está à beira da cama onde se dá o crepúsculo do rei-Sol: segue as descrições de cortesãos que assistiram a esses últimos momentos, inventaria gestos e rituais. Sobretudo, e esse é o “toque” do filme, as tentativas (falhadas) de encenação e de espectáculo — o corpo em decadência é que manda, e desembaraça-se disso tudo.
É é com esse falhanço, sempre um horizonte de burlesco em A Morte de Luís XIV, que se devolve a um homem a sua morte privada, íntima, solitária. É, então, encantadora esta morte: a impotência dos humanos é comovente e hilariante. Se quisermos ver nesta determinação descarnada um statement de Serra sobre o cinema e o espectáculo, é caso para dizer que o realizador vestiu a camisola: desembaraça-se também de algumas coisas suas, ele que já se definiu como “formalista” e “troublemaker”, e realiza o seu melhor e mais humilde filme (et pour cause).