É a política? Não, a cultura
As formas e os métodos a que os jornais têm recorrido para se salvarem revelam-se tão falhadas quanto os argumentos mais comuns dos críticos do jornalismo falham o essencial.
Se eu quisesse prosseguir a análise dos media e da crítica do jornalismo — e acho que vou querer —, encontraria abundante matéria de reflexão num certo tumulto e rumor hostil provocados pelo facto de a direcção deste jornal ter dispensado os serviços de três colaboradores prestigiados. Pondo de lado a questão mais importante, a financeira (mas recusando aceitar que ela explica tudo), essa dispensa faz parte de um processo de reforma, renovação e racionalização que todos os jornais têm prosseguido desde há vinte anos. A receita não tem dado bons resultados, mas já alguém foi capaz de pensar de maneira diferente? Já alguém foi encorajado ou teve sequer a permissão para o fazer? E para não se dizer que sou um puro diletante, retiro as consequências do que acabei de afirmar: uma transformação interessante deste jornal seria aquela em que, a par de muitas outras coisas porque uma só não basta, esta coluna chegaria ao seu fim — porque bem medíocre seria se me quisesse reformar com ela — e eu poderia fazer outras coisas mais úteis para o jornal e em que me sinto menos em contradição com os ataques que aqui tenho feito à oligarquia editorialista (analistas, colunistas, comentadores), essa elite consensual que intoxica o espaço público com a sua doxa crítica composta de clichés e de ideias mortas.
Ao contrário do coro vindo do lado esquerdo do campo político, não acho que o problema da comunicação social seja o do monolitismo de direita da indústria da consciência e da informação. O problema é muito mais cultural do que político. Tanto à esquerda como à direita, a cultura é uma velha relíquia que foi lançada às urtigas. E a última coisa de que é capaz esta nova classe dominante, constituída pela tripla aliança — económica, política e mediática —, que passeia o seu filisteísmo e a sua vacuidade pelos jornais e pelos painéis televisivos, é o de criar a sua própria cultura. Ao contrário do que por vezes se pensa, esta gente não é da mesma estirpe daquela que, antes da Segunda Guerra, deu caução filosófica e cultural a uma “revolução conservadora”. Se descontarmos uns restos que nos vão entretendo, o pensamento, a literatura, a arte e a cultura em geral desertaram do espaço público. E a dimensão cultural do jornalismo foi completamente abandonada. Um filósofo francês fazia esta pergunta retórica, há algum tempo: “O pensamento é público, hoje, em França? Neste mundo do acesso generalizado, podemos ainda ter acesso ao que se pensa hoje em França e para além dela?”.
Grande parte do coro que se ergue hoje contra os media e o jornalismo herdou a cultura da esquerda dos anos 70, que reduziu o poder dos meios de comunicação de massa a um único conceito: o de manipulação. Trata-se da ideia de que os media dissimulam a sua motivação mais profunda, escondem os seus cálculos estratégicos e mascaram as suas verdadeiras intenções. Que há muitas vezes truques e mentiras, sabemo-lo muito bem. Mas os que se presumem especialistas em desmistificação jornalística, com a missão de conduzir à verdade e à razão os leitores leigos e ignorantes, têm uma pretensão ridícula e uma consciência obsoleta dos media. Hoje, um jornal que julga que está a enganar os seus leitores está a enganar-se a si próprio de maneira patética. Jornais que têm um projecto político e ideológico não querem nem conseguiriam dissimulá-lo. É por ter fetichizado o conceito de manipulação, persistindo nele como categoria interpretativa, que a esquerda é incapaz de lidar com a paisagem mediática e, demonizando o adversário pelo lado errado, só reforça o seu poder.