Washington a transbordar na marcha das mulheres, “dia dois da tragédia Trump”
"Aqui está a maioria da América”, disse Michael Moore à multidão que enche o centro de Washington um dia depois da tomada de posse do novo Presidente. Protestos em mais de 600 cidades do mundo.
O metro da capital federal dos Estados Unidos contabilizava até às 11h (16h, em Portugal continental) 275 mil viagens, mais 82 mil do que as registadas na véspera, para a tomada de posse de Donald Trump. Os organizadores da Marcha das Mulheres, pretexto para a América que não se vê como a “America First” do novo Presidente, previam juntar 200 mil pessoas mas admitem agora chegar ao meio milhão. O desfile de Washington é apenas um de mais de 300 em todo o país – e de pelo menos 600 em cidades de todo o mundo.
“OK, sobrevivemos ao dia um!” Foi assim que o cineasta e activista Michael Moore, um entre dezenas de convidados a subir ao palco montado no parque Nacional Mall do centro de Washington, começou a sua intervenção. “Estamos agora no dia dois da tragédia Trump. Quem quer entrar no meu próximo filme?”, continuou o documentarista provocador, antes de pegar num exemplar do diário Washington Post para ler a manchete “Trump conquista o poder”. Nem tanto, sublinha: “Aqui está o poder. Aqui mesmo está a maioria da América”, afirmou, numa referência ao facto de Hillary Clinton ter obtido em Novembro a maioria do voto popular (mas não dos votos do colégio eleitoral, que é o que define quem vence a presidência).
“Estamos aqui para pôr fim à carnificina Trump”, gritou ainda Moore, citando assim o próprio chefe de Estado, que no seu discurso de tomada de posse afirmou que “a carnificina acaba agora”, depois de enumerar as tragédias que acredita estarem a corroer o país – “mães e crianças presas à pobreza nas cidades; fábricas enferrujadas […]; o crime e os gangues e as drogas…”. Moore deixou um pedido antes de dar lugar a outros: “Quero que telefonem todos os dias para o Congresso. Todos os dias”, disse, antes de levar a multidão a entoar o número de telefone 202 225 31 21.
Pelo palco de Washington já passaram entretanto políticas, activistas, actrizes comprometidas (Audrey Judd ou America Ferrera), comentadores empenhados como Van Jones (CNN, presidente do Dream Corps), que descreveu um “movimento com amor”, ou políticos como a senadora Elizabeth Warren.
"Podemos ser melhores"
“Nós amamos os conservadores o suficiente para lhes dizer, ‘vocês podem ser melhores do que isso’. Temos um Presidente que parece ser um autoritário, que não parece forte para a América mas fraco para a Rússia. ‘Nós gostamos de vocês o suficiente para dizer, ‘conservadores, vocês podem fazer melhor do que isto’”, disse Jones antes de pedir aos presentes para fazerem melhor também.
“Nós também podemos ser melhores liberais e progressistas. Só porque alguém votou mal não é uma pessoa má e nós vamos lutar por eles de qualquer forma, pela sua dignidade, vamos lutar contra eles nos seus preconceitos, mas vamos erguer-nos por eles, pelos eleitores dos estados vermelhos, como pelos muçulmanos e pelos negros”, afirmou Jones, que falou pouco depois de Zahira Billoo, porta-voz da organização Council on American-Islamic Relations.
Jones despediu-se descrevendo ter visto “o movimento que tomou Washington” na sexta-feira, “com os seus chapéus cor-de-laranja”. “Mas com o que eles não contavam era com um milhão de mulheres em chapéus cor-de-rosa!”
A marcha das mulheres, inspirada por uma campanha eleitoral onde as mulheres se sentiram descriminadas e humilhadas pelo candidato vitorioso, não é apenas das mulheres. Mas muitos dos participantes são mulheres com os tais gorros cor-de-rosa, pussy hats tricotados com orelhas de gato, em referência ao vídeo de 2005 onde Trump diz que costuma “grab women by the pussy”.
"A imagem da esperança"
A caminho de Washington vinda da Califórnia, a participante Jesica Vroman postou nas redes sociais uma fotografia do voo cheio de mulheres. “Isto é a imagem da esperança”, escreveu. “Obrigada por se erguerem, falarem & marcharem pelos nossos valores na marcha das mulheres. Importante como sempre. Acredito verdadeiramente que somos sempre mais fortes juntas”, escreveu Hillary Clinton no Twitter.
Entre os organizadores contam-se o centro de saúde reprodutiva Planned Parenthood, o movimento pelo controlo de armas Moms Demand Action e a Emily’s List, que promove a candidatura de mulheres a cargos políticos. Mas os apoios incluem ainda uma série de ONG nacionais e internacionais, como a Amnistia Internacional, grupos de defesa dos direitos dos nativos americanos, muçulmanos, hispânicos ou o Black Lives Matter, para além de minorias sexuais.
A marcha repete-se por todo o mundo, da Tailândia à Nigéria, de Sydney a Viena, de Genebra a Lisboa. “Discurso de ódio, preconceito, descriminação, polícias racistas – estes não são problemas americanos, estes são problemas globais”, afirmou em Sydney uma das organizadoras, Mindy Freiband.
Na Floresta Karura de Nairobi, centenas de manifestantes entoaram canções de protesto americanas. Uma das participantes, a documentarista Emily MacCartney, lembrou que “30 minutos depois da tomada de posse, eles tinham retirado os direitos LGBTQ [lésbicas, gays, transexuais, bissexuais ou queer] do site da Casa Branca”, renovado em tempo recorde. A queniana Muthoni Ngige, de 28 anos, disse à Reuters que participa “em solidariedade com as mulheres” dos EUA. “Estou aqui porque me oponho a que os líderes do mundo sejam pussy grabbers.”