Preocupa-te, querida, não vai correr tudo bem
Trump tem três convicções fundamentais que representam, no seu conjunto, uma verdadeira revolução na política externa dos Estados Unidos.
Há uma célebre música dos U2 que vale a pena ouvir nos dias de hoje. Diz ela a certo momento: "Don´t worry baby, it´s gonna be alright. Uncertainty can be a guiding light".
Como várias pessoas já referiram, a melhor palavra que temos neste momento para definir o que pode ser a presidência Trump é incerteza. Há mesmo quem, como Henry Kissinger, sugira que nos próximos tempos vamos todos entrar num "frenesim de estudo": de Moscovo a Pequim, de Teerão a Damasco, passando por Berlim e mesmo Lisboa, os gabinetes vão encher-se de papéis com tudo o que existe sobre Donald Trump.
Há realmente demasiados assuntos sobre os quais sabemos muito pouco e grande parte do pouco que sabemos não parece ser simplesmente uma opção para a única grande potência mundial da actualidade, a começar pela tentação isolacionista do Presidente-eleito. Vão os EUA aliar-se à Rússia? Vão rever a sua política "uma China"? Vão afastar-se dos aliados europeus? Vão rasgar o acordo nuclear iraniano? E o acordo de Paris? E como vão lidar com os compromissos militares que têm um pouco por todo o mundo? E com a ONU?
A resposta honesta a todas estas questões é: não sabemos. Todavia, ele tem três convicções fundamentais, que já defende há décadas — tendo mesmo publicado um texto pago no The New York Times em 1987 a defender algumas delas —, e reiterou de forma insistente durante a campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, é um forte crítico das "alianças permanentes", como a NATO ou os acordos bilaterais com o Japão e a Coreia do Sul, considerando que os aliados dos EUA são free riders, ou seja, apanham a "boleia" da segurança fornecida pelos norte-americanos sem estarem disponíveis para pagar por ela. Em segundo lugar, tem-se oposto à globalização e aos acordos de comércio livre que, para ele, são sempre maus negócios para a América, levando empregos e investimentos para outros países, como por exemplo o México. Finalmente, tem uma predilecção por líderes autoritários, como Vladimir Putin, que não se tem cansado de elogiar.
Temos assim três ideias. Estas, no seu conjunto, representam uma verdadeira revolução na política externa dos Estados Unidos e, a serem postas em prática, significam o fim da ordem internacional liberal criada por Washington em 1945 e respeitada por todos os presidentes ao longo de mais de 70 anos. Mas temos sobretudo uma grande incerteza.
No amor, os U2 têm razão: a incerteza pode ser uma luz orientadora. Porém, na política ela é exactamente o contrário: uma escuridão que desnorteia e deixa muitos sem saber com o que contar e o que fazer. Há fortes motivos para dizer: "Preocupa-te, querida, não vai correr tudo bem".