Há um filme sobre italianos em Lisboa: "Aqui respira-se liberdade"

Em 2012, três italianos perceberam que não havia um filme que documentasse a vida da comunidade que vive em Lisboa. Porque escolheram a cidade quando muitos jovens portugueses a deixavam? 70 entrevistas depois estreia em Portugal o documentário Lisbon Storie: a história dos italianos em Lisboa

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Alguns dos italianos que surgem no filme e que têm razões diversas para um destino comum: Lisboa Nuno Ferreira Santos

Quando Marianna Russo chegou ao local da entrevista de trabalho num call center, em Lisboa, esperavam na sala outros 15 italianos. Ficou supreendida. Não só pelo número de compatriotas que encontrou, mas pela existência “deste mercado de trabalho aqui.” Com 39 anos e um carrinho de bebé ao lado, diz que é a facilidade com que se encontra trabalho em Lisboa que traz os italianos para a capital portuguesa.

“É um novo tipo de emigração à italiana”, notam sete italianos emigrados em Lisboa à conversa com o PÚBLICO. Todos eles vieram antes de Marianna. De cidades, idades e profissões diferentes. São de uma geração de “emigrantes de luxo”, como lhe chama Ronaldo Bunacchi. Vieram por diferentes motivos: atrás de uma oportunidade de emprego ou por quererem fugir a um estilo de vida ou uma cidade que não sentiam sua. “Viemos todos porque podíamos. Foi uma escolha não ficar, como seria uma escolha ficar”, diz Luisa Magnano.

Em 2012, Daniele Coltrinari, Luca Onesti e Massimiliano Rossi perceberam que não havia um filme que documentasse a vida dos italianos em Lisboa. Quem são? Porque escolheram a cidade que muitos jovens portugueses deixaram por outro país? “O filme narra o porquê desta escolha improvável”, lê-se na apresentação.

Em três anos, fizeram mais de 70 entrevistas. Cerca de 20 aparecem na versão completa do documentário Lisbon Storie: a história dos italianos em Lisboa, apresentado este domingo às 21h30, na Rua das Gaivotas 6, em Lisboa.

Em cerca de 65 minutos de filme, há histórias de jornalistas, actores, investigadores, músicos, professores. Há histórias de quem quer ficar, de quem abre portas à possibilidade de voltar a Itália e de quem já desistiu da capital portuguesa. Como Alessia Bergerone. Fartou-se “das condições de trabalho em Portugal”, onde trabalhava num call center. Emigrou de novo, desta vez para a Bélgica, onde encontrou condições de trabalho “muito melhores”. Apenas as saudades da cidade apertam.

Sentam-se numa mesa redonda num bar de italianos no Bairro Alto – TascaMastai – os realizadores Daniele, também jornalista, 40 anos, e Luca, fotógrafo e editor de vídeo, 32 anos. Juntam-se Mick Mengucci, músico e engenheiro, 47 anos, Luisa Magnano, produtora de eventos, 37 anos, Marcello Sacco, professor de italiano e jornalista, 46 anos, e Ronaldo Bunacchi, actor, 66 anos. Os três últimos poderiam ser apresentados como actores de Lisbon Storie, não fosse isto uma história sobre eles próprios e não haver actores nenhuns.

Falada em italiano, com legendas em português, esta não deixa de ser a vida de Lisboa de quem a vive todos os dias. No eléctrico não se vê a paisagem pela janela, mas o trabalho do maquinista que o conduz. No Chiado, não se vêem os turistas nas esplanadas ao lado de Pessoa, mas quem passa a correr entre os pingos da chuva. Como se vêem os protestos em frente à Assembleia da República de Novembro de 2012.

Vieram por motivos diferentes. Luisa, em 2004, atrás de uma oportunidade de trabalho no Alentejo, acabou por criar o seu próprio programa de intervenção social em Lisboa. Marcello veio de férias em 1995 e nunca mais voltou. Mick e Luca vieram estudar, regressaram a Itália, mas Lisboa voltou a chamar por eles. Mas o que vos fez ficar?

Luisa: Encontrei muita liberdade e espaços para pôr em prática as ideias que tinha. Quando estás fora da zona onde outros te controlam e no teu espaço de constrangimento, tu tens todas as possibilidades à tua frente. Lisboa é uma cidade onde as pessoas podem mudar de rumo várias vezes, onde não se sente a pressão social. Tu aqui podes perguntar-te a ti própria: "Queres fazer aquilo?" Então fazes.

Ronaldo: Aqui respira-se liberdade. Mas é um respirar de liberdade que na tua cidade de província não tinhas. Aqui faço, encontro, falo com todos.

Mick: Gabriele Salvatores fez vários filmes que falam "Dos que fogem", de italianos que querem bazar da monotonia da província italiana, que é muito boa e muito atrofiante também. Lisboa tem mais culturas, tem o clima. E para mim, que sou músico, um país menos burocratizado. Quando eu cheguei, em 1998, as ruas eram livres, tinha sítios à toa. Não era todo organizado e formatado.

Daniele: Lisboa tem uma cena cultural muito boa. Roma já teve isto e acho que se foi perdendo. Tem muitos concertos, festivais, peças de teatro e exposições que podes ver a preços baratos. Tem uma grande variedade de escolha, o que a mim me fascina.

Porque diz que são emigrantes de luxo?

Ronaldo: Dizer que somos emigrantes é cuspir na cara de outros emigrantes. Viemos para encontrar uma experiência. Não vivemos aquela realidade das pessoas que vêm porque têm um amigo que trabalha nas obras e talvez precisa de um ajudante. E vêm porque onde estão, estão a morrer à fome. Agora os italianos que vêm para aqui vêm para ‘ver se dá’. Isso é uma coisa de luxo.

Antes de virem o que conheciam de Lisboa e de Portugal?

Ronaldo: Eu sabia que no Brasil falavam português. Só em 1974, quando foi a revolução, tinha muitos amigos que diziam 'Vamos para Lisboa que se está a construir o comunismo'. Alguns ainda ficaram.

Luisa: Em 2004, quando saí de Itália, ninguém sabia nada. Comprei a Lonely Planet e li que era a província mais ocidental de Espanha. Quem é que vinha para Portugal na altura? Quem fazia o interrail em Espanha e talvez passasse por Lisboa. Mas em 2006, começaram a chegar à loja da minha mãe na aldeia, em Itália, revistas de viagens que diziam 'Novo destino: Lisboa'. Esse foi o ano da mudança, toda a gente queria vir para cá.

Mick: Eu fui fazer um estágio para uma mina na Bahia, no Brasil. Aprendi a falar português em dois meses. Quando voltei para Itália comecei a tocar Bossa Nova e conhecer brasileiros e brasileiras. Quando me disseram que podia fazer a tese em Portugal pensei 'Vou para um Brasil mais perto de Itália'. Para mim, Portugal era a Bahia. Cheguei aqui e levei uma grande pancada. Fiquei em Lisboa e gostei, mas sinto que na altura descobri uma coisa que era um pouco desconhecida ainda.

Daniele: Mas isto mudou tudo com a questão turística. Só no ano passado 54 mil italianos vieram para aqui de férias. Este ano estão previstos 100 mil. Portanto, daqui a dois ou três anos todos os italianos vão saber que não se fala espanhol em Portugal.

Os italianos que chegam agora a Lisboa vêm por motivos diferentes da geração anterior?

Daniele: Estão a chegar muitos italianos pelo trabalho. Nos últimos dois/três anos, muitos italianos chegam aqui para trabalhar em call centers. Aqui encontras pessoas que gostam de Lisboa, que têm uma relação e foi por isso que escolheram ficar. Mas nos últimos anos já é um pouco diferente. Trabalhar num call center é a nova forma de precariedade como era antes trabalhar numa fábrica. São licenciados, pagam pouquíssimo, trabalham muitas horas. Se fizessemos um filme agora já não seria da mesma forma.

Ronaldo: Em Itália há sempre muitas razões para fugir: Berlusconi, a situação económica, a política. Neste momento está uma situação pesada. Ofendem-se uns aos outros, não se consegue discutir.

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