O(s) escudo(s) de Carlos Carvalhas
Não sei se o dr. Carlos Carvalhas acredita que os erros se pagam no outro mundo, mas eu acredito que se pagam apenas neste.
Alegra-me que o dr. Carlos Carvalhas (C.C.) tenha publicado um novo texto sobre a questão da dívida portuguesa, já que assim iniciamos o debate prometido pelo PCP para 2017, esperando que esse debate seja esclarecedor e envolva todos os sectores da sociedade. De facto, espero mesmo que o debate possa terminar com a consulta ao povo português através de referendo, que é a única forma de passarmos do plano das convicções pessoais para o plano das decisões políticas e resolver por muitos anos os dilemas da participação portuguesa na União Europeia.
Neste debate não gostaria de consumir muito espaço com a clarificação de algumas questões evocadas por C.C. neste seu segundo texto e, por isso, faço-o apenas telegraficamente: (1) a conversão, automática ou não, da nova moeda não está em causa; o que está em causa é a sua desvalorização nos mercados internacionais e o efeito que isso representa no bolso dos portugueses e na economia; (2) não compreendo como é que o Estado que temos, endividado até ao tutano, poderá garantir o pagamento da “totalidade dos montantes” — dívida e desvalorização da moeda — ou que os portugueses possam acreditar nessa probabilidade; (3) a descrição que faz da miséria dos baixos salários é verdadeira, mas os salários não eram melhores com o escudo e não ficaram melhores com as desvalorizações feitas por duas vezes em democracia; (4) estou, naturalmente, de acordo que o debate seja feito, mas não sei como se “prepara o país para uma eventual dissolução do euro ou para uma saída unilateral por vontade própria ou exigida”, sem que isso implique uma quebra da confiança dos credores, nacionais e internacionais, em particular quando estamos sob o risco da subida dos juros; (5) de facto, não tenho o direito de defender que o euro seja eterno — não sei onde C.C. foi buscar a ideia — e menos ainda de defender que seja a mesma coisa pagar a dívida em euros ou em escudos; digo exactamente o contrário, isto é, com a previsível desvalorização do escudo relativamente ao euro não vejo como será possível pagar a dívida titulada em euros; (6) a renegociação da dívida em “prazos, juros e montantes” não é só, como parece acreditar C.C., “uma questão técnica e política”, porque é também uma questão de confiança dos agentes económicos — isso no caso de não estarmos interessados em copiar experiências que C.C. conhece bem.
Gostaria agora de afirmar com toda a convicção que a crise portuguesa pode ser vencida e a dívida paga, ainda que em prazo mais dilatado, com boa governação, que é o que não temos tido; e, se C.C. quiser saber como isso se faz, peço-lhe que leia o que ando a escrever há 20 anos. Recordo, nesse contexto, que todos os partidos, incluindo o PCP, sempre foram adeptos do investimento público, mesmo quando consumido em obras sem justificação económica ou social, como o aeroporto de Beja. Aliás, investimentos que os mesmos continuam a defender, como seja o caso actual do porto do Barreiro, casos que não são mais do que meros exemplos, mas exemplos sérios, de má governação que conduziram ao desperdício de muitas dezenas de milhares de milhões de euros recebidos da União Europeia, a mesma UE de quem nos queixamos.
A propósito e como justificação de que não sou um fundamentalista da União Europeia mas apenas realista, recordo um escrito de 13/06/995, em que disse: “Não quer dizer que discorde da entrada de Portugal na CE, mas apenas da excitação que o facto provocou — ou seja, a participação de Portugal no mundo dos mais ricos e dos mais fortes deveria ser encarada com extrema seriedade, como um perigo muito sério e não como uma festa.” Disse depois: “Conscientes desse facto, deveríamos ter partido para a UE com a raiva própria de quem conhece as dificuldades e os perigos que o espreitam e vai à luta pela sobrevivência.”
Algo que, como se sabe, não fizemos, o que me conduz à questão que refere quando escreve: “Quanto à reestruturação da dívida, não venha com a demagogia do ‘não pagamos’ ou com o moralismo judaico-cristão do ‘temos de pagar’.” Sobre isso não se trata de demagogia, dr. Carlos Carvalhas, e menos ainda de moralismo judaico-cristão, mas de sentido de responsabilidade e de respeito pelos portugueses e pelos compromissos criados e aceites por um Estado democrático que é o nosso, para mais saído do 25 de Abril de 1974. Trata-se de um assunto muito sério, com consequências imprevisíveis, e não um qualquer tema de dissertação académica, que pode conduzir a um desastre para milhões de portugueses. Por outro lado, não sei se o dr. Carlos Carvalhas acredita que os erros se pagam no outro mundo, mas eu acredito que se pagam apenas neste, se não por nós próprios, pelos nossos filhos e netos, e por isso é bom aprender a não acreditar em facilidades, como é bom aprender a não cometer erros. De facto, teria sido bom que a Assembleia da República tivesse estado à altura de os evitar, como no passado eu e outros avisámos vezes sem conta.
Finalmente, volto à questão central deste debate, em que, apesar de todo o respeito que tenho por si, não sei se poderemos alguma vez chegar a acordo. Mas sei que todos os grandes problemas das nações se resolvem com mais e não com menos democracia e, assim sendo, o referendo é a forma idónea de ultrapassar o impasse em que já estamos mergulhados há demasiado tempo.
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