Fernando Santos, o treinador que deixou de ser engenheiro
Como jogador, não gostava muito de treinar, mas é exactamente o contrário desde que passou para o banco. Aos 62 anos, pode ser nesta segunda-feira eleito o melhor do mundo.
Fernando Santos é o treinador que deixou de ser engenheiro e nunca o voltará a ser. Mas também foi o engenheiro que quase deixou de ser treinador. Nessa altura, em 1994, ainda era as duas coisas, mas quando deixou de ser treinador do Estoril, quis cortar relações com o futebol e dedicar-se à actividade da sua formação académica, engenharia electrotécnica e de telecomunicações. Alguns meses depois, recebeu uma chamada do Estrela da Amadora e não era para tratar da iluminação ou dos telefones do eternamente decrépito estádio José Gomes. Era mesmo para ser treinador. Da Reboleira foi para as Antas e, depois, vieram muitos outros palcos. Vinte e dois anos passaram desde esse momento de dúvida, Fernando Santos ainda carrega o título de engenheiro, mas o que conquistou a 10 de Julho passado é a prova de que o seu futuro não estava mesmo na engenharia.
Fernando Santos, de 62 anos, está nomeado para o prémio de melhor treinador do ano para a FIFA, ao lado de outro veterano que também foi protagonista de uma conquista improvável (Claudio Ranieri, campeão inglês com o Leicester City) e de um novato que teve sucesso numa equipa habituada a ganhar (Zinedine Zidane, campeão europeu com o Real Madrid). A história curta do prémio (atribuído desde 2010) não dá muitas pistas para quem gosta de adivinhar, mas há um antecedente animador para Fernando Santos. Em 2012 ganhou Vicente Del Bosque, treinador campeão europeu pela Espanha. E a ganhar, será o segundo português do palmarés, depois de José Mourinho em 2010.
Com barba, só com bigode ou com a cara limpa, Fernando Santos sempre projectou a mesma imagem: homem sério, austero, de sorriso nem sempre fácil (mas sorri bastante e tem sentido de humor), competente, de convicções fortes, conciliador. Católico praticante e de fé inabalável, com vocação evangelizadora como o próprio admitiu numa das muitas entrevistas que deu após o Euro. Com o crucifixo no bolso, o mesmo há mais de 20 anos, um testemunho da sua fé, que também ficou presente nas primeiras palavras após a final, uma carta que escrevera várias semanas antes. “Agradeço a Deus pai.” Esta é uma faceta incontornável de Fernando Santos, a sua religiosidade sempre presente, que nunca chegou a perder, mas que era menos evidente nos seus primeiros tempos de vida adulta.
Nado e criado em Lisboa (é um rapaz da Penha de França), Fernando Manuel Fernandes da Costa Santos anda no futebol praticamente desde que nasceu. Era um bebé com apenas 52 dias de idade quando os pais o levaram numa alcofa à inauguração do Estádio da Luz a 1 de Dezembro de 1954. Haveria de voltar à Luz na adolescência como futebolista aprendiz, ao lado das lendas Eusébio e Coluna, mas o pai não o deixava ser apenas jogador de futebol. Tinha de estudar. Com 18 anos, entrou no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e conseguiu ser futebolista-estudante durante cinco anos. Entretanto, como não tinha espaço no Benfica, foi para o Estoril-Praia porque Jimmy Hagan, técnico dos “encarnados”, reparou nele entre a multidão de jogadores que tinha na Luz e quis levá-lo quando se mudou para a equipa da Linha.
Como jogador, não era bem o que ele próprio exigiria como treinador aos seus atletas. “Reconheço que era bom jogador [era defesa, que jogava ao meio e à esquerda], mas tinha um problema, gostava pouco de treinar. Era daqueles que defendia que havia jogadores de treino e jogadores de jogo. Não era muito humilde, dava umas tangas para não treinar muito”, reconheceu numa entrevista recente à “Sábado”. Depois de acabar o curso no ISEL em 1977, o jovem defesa Fernando foi apenas jogador durante os dois anos seguintes, um no Estoril e outro no Marítimo. Porquê a mudança súbita para a Madeira? “Ganhava três vezes mais. Tinha acabado de casar e era bom para a estabilidade da família”, dizia em entrevista ao “Sol”.
Mas foi uma passagem efémera de apenas um ano. Regressou ao continente, mas desta vez já não se sustentava apenas a jogar futebol. Tinha de ter mais qualquer coisa e a solução foi trabalhar no Hotel Palácio, no Estoril, como director-técnico. Aqui foi o momento em que a engenharia esteve a ganhar ao futebol. Como jogador durante mais cinco anos e, depois, como treinador, sempre no Estoril, que levou até à primeira divisão. Na transição do Estoril para a Amoreira, houve a vontade de desistir. Quando foi para o Estrela, ainda foi engenheiro em part-time no hotel, e passou a estar na mira de muitos clubes.
Um deles era o FC Porto. Jorge Nuno Pinto da Costa precisava de um sucessor para António Oliveira. “O cavalo passa à porta uma vez e a gente monta ou não monta”, disse-lhe Pinto da Costa. Fernando Santos aceitou o convite, pediu uma licença sem vencimento no hotel e rumou a norte em 1998. Nessa época, seria engenheiro, mas só de título, o “engenheiro do penta”, campeão nacional com os “dragões”, o único título de campão nacional que conquistou em clubes – nas Antas ainda conquistaria mais duas Taças de Portugal e duas Supertaças em três épocas.
O FC Porto seria o primeiro dos três “grandes” no currículo de Fernando Santos, o único onde conquistou alguma coisa. Esteve uma época no Sporting (2003-04) e uma época e um jogo no Benfica (2006-07). Depois de cada um deles, Fernando Santos encontrou sempre refúgio na Grécia. As conquistas não foram muitas no AEK, Panathinaikos e PAOK – não é fácil romper o domínio do Olympiacos, nove títulos nos últimos dez anos – mas Santos deixou a sua marca de tal forma que em 2010 foi considerado o melhor treinador da década na Grécia e foi nomeado seleccionador dos helénicos, para substituir Otto Rehhagel, outro estrangeiro que era herói nacional por ter sido o treinador campeão no Euro 2004.
Também não conquistou nenhum título, mas levou a selecção grega a um Europeu e um Mundial, onde chegou aos oitavos-de-final, eliminado pela Costa Rica nos penáltis e com um castigo de oito jogos (que seria reduzido). Não renovou com a Grécia, mas voltou a não ficar muito tempo desocupado. Os dias de Paulo Bento na selecção portuguesa iriam terminar pouco depois de Mundial no Brasil e Santos foi a escolha segura e consensual para ocupar o cargo.
Recuperou alguns proscritos, lançou algumas novidades e, com uma grande dose de pragmatismo (é o treinador que se adapta aos jogadores que tem, e não o contrário, costuma dizer), mais em esforço do que em arte, a selecção portuguesa fez o seu caminho. Qualificação, fase de grupos, jogos a eliminar e final. “Só volto no dia 11”, era a convicção depois do empate com a Islândia. Sempre inabalável a cada jogo que passava, mas o dramatismo daquela final de certeza que lhe deu vontade de fumar um ou vários cigarros (fuma bastante), e ainda por cima tinha um eléctrico Cristiano Ronaldo com o joelho esquerdo ligado ao seu lado, a gritar por cima das suas ordens e a contar os segundos até ao apito final.
Nunca esteve muito tempo parado. A cada saída do futebol português, Fernando Santos tinha sempre alguém que o queria na Grécia, país onde passou 13 anos de forma não consecutiva. Desta vez, irá ficar em Portugal até 2020, até ao final da campanha desse Euro. Para defender o título, claro.