Conselho de Ética defende que nascidos por PMA devem poder saber “origem parental”
Organismo defende que a aplicação das técnicas para tratar infertilidade deve ter prioridade em relação às “opções individuais”.
A nova legislação sobre a Procriação Medicamente Assistida (PMA) deixa de fora “aspectos éticos fundamentais” em termos de protecção dos direitos dos bebés que resultam destes tratamentos. A crítica do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) surge num novo parecer sobre a regulamentação da nova legislação deste tema. Nele, apela a que a lei passe a consagrar “mecanismos para proporcionar informação sobre a origem parental” a estas crianças.
“Estarão os direitos da criança, designadamente o direito à sua identidade pessoal, devidamente acautelados?” questiona o parecer, datado de Dezembro de 2016 mas só agora publicado, que surge na sequência de um pedido do secretário de Estado Adjunto e da Saúde sobre a regulamentação da lei aprovada em Junho e que veio revolucionar o acesso às técnicas de PMA, permitindo que passem a ser um método complementar de procriação para mulheres saudáveis, independentemente do estado civil ou orientação sexual.
O CNECV entende que as alterações promovem a “liberdade e autonomia da mulher que projecta ser mãe e em quem irão ser aplicadas as técnicas de PMA”, mas sublinha que falta uma “justa ponderação com o respeito pela situação do/a filho/a que vai nascer” de dadores de ovócitos ou de espermatozóides.
No documento, aquele conselho nacional considera que a regulamentação da nova lei explicita “os direitos das beneficiárias que decorrem do respeito pela vontade de se submeterem às técnicas de PMA”. Porém, critica o facto de não ser “contemplado o valor superlativo dos interesses da criança que vai nascer, o que, em qualquer circunstância, deve ser um património ético a salvaguardar”. E conclui que “no confronto” destes dois interesses devem “prevalecer os interesses das crianças sobre quaisquer outros”.
Para este organismo, que emite pareceres não vinculativos, a lei deveria ter mecanismos para “proporcionar informação sobre a origem parental quando for exigida em tempo próprio por quem nascer por aplicação deste tipo de técnicas”. Em Portugal, tanto com a anterior legislação como com a nova, impera a regra do anonimato do dador, pelo que é praticamente impossível que uma criança venha a saber as suas origens – ao contrário do que já acontece em países como o Reino Unido, a Suécia ou a Dinamarca, em que atingida a maioridade podem ser solicitadas estas informações.
"Ponderação de natureza clínica"
Outra das preocupações manifestadas no parecer refere-se ao acesso aos tratamentos de PMA, agora que foram alargados a mulheres sozinhas e a casais de lésbicas. “Estará o Estado a cumprir os seus deveres no contexto do acesso e aplicação das técnicas de PMA não estabelecendo a prioridade do acesso por razões clínicas? Podem ou devem ser estabelecidas prioridades sem incorrer em discriminação?” As questões são levantadas no parecer e o CNECV considera que “as condições da sua utilização requerem uma ponderação de natureza clínica”.
“Em situações de recursos limitados, deve prevalecer a sua aplicação como tratamento de infertilidade”, justifica-se. E reitera-se: “Quando tenham de ser considerados os recursos específicos de saúde a alocar, impõe-se a definição de prioridades assentes em critérios explícitos nos quais a condição de doença deve prevalecer sobre as opções individuais”. Da mesma forma, este organismo defende que quanto aos casais de mulheres, apenas um dos elementos possa inscrever-se na lista de acesso a tratamentos.
O CNECV afirma também que restam algumas dúvidas quanto à nova regulamentação, nomeadamente sobre as avaliações psicológicas que podem ser pedidas no âmbito dos tratamentos de PMA e a destruição de espermatozóides e ovócitos que tenham sido criopreservados antes da entrada em vigor das novas regras.