Crónicas de um átomo

Porque é que escrevo? Para marcar o tempo, para saber que nesse dia, no dia em que escrevi, existi, deixando as palavras como prova de uma história, esta, parte da qual assistimos hoje dentro destas paredes.

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Noah Silliman/Unsplash
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Se hoje nos temos a todos juntos, aqui, debaixo deste mesmo tecto, tal acontece não por mim, e muito menos por esta obra, mas pelo amor que temos pelas letras, pela escrita, pelas palavras e por tudo quanto as mesmas nos trazem sempre que nos entregamos às páginas de um livro e desbravamos as epopeias do mundo e dos Homens, de como vivem e como sonham, o que fizeram, fazem e almejam fazer, nesta Terra e tantas noutras, até que da Humanidade reste apenas uma história, esta, tão grande como a existência.

E por isso escrevo, não porque por isso seja escritor, nunca o fui nem posso ser, mas por uma uma necessidade imensa de passar aos outros tudo aquilo que fomos, quanto aprendemos e perdemos, sempre na esperança de que vivam melhor, longe dos erros e sofrimentos e sempre mais perto da vitória.

E sim, reconheço, nem sempre foi assim. As primeiras frases, os primeiros versos, os primeiros textos? Foram de amor, pois claro, desde os dez anos de idade, por vergonha e timidez, por não conseguir verbalizar os incêndios ateados ao calhas e ao vento num peito adolescente, achando por bem dizer tudo ao papel, porque a palavra escrita é sempre mais bonita.

E se a palavra escrita é mais bonita, eu não o era certamente, com os dentes montados numa tarântula de arames e um par de óculos capazes de fazer inveja a um escafandro, sinal de que os mais gloriosos golpes de caneta e os mais belos versos Oníricos estavam já condenados à partida a uma daquelas tampas históricas que nos deixam no chão e de joelhos a clamar por uma misericórdia que não vem.

No entanto, e para quem me conhece, o gene da persistência, para não dizer teimosia, foi desde tenra idade um aliado precioso. Porque desde os primeiros versos não mais parei de escrever, escrevendo para a família, amigos, para a rua e para a cidade, para o país, para Portugal, para o mundo, para quem quiser ler e ouvir, compreender e responder, enviando textos para revistas e jornais, sites e editoras, numa procura incessante por um lugar ao sol para tantas palavras, pensamentos e emoções, sequiosos de uma outra luz, pouco ou nada feitos para viver na gaveta de sonhos que nunca deixam de o ser enquanto não acordamos e puxamos a maçaneta.

Consequentemente, não posso deixar de agradecer a oportunidade oferecida pelo P3, projecto do jornal Público, a qual ofereceu essa luz há tanto esperada, 26 anos depois das primeiras palavras escritas nos caracóis trémulos de uma criança.

Porque é que escrevo? Para marcar o tempo, para saber que nesse dia, no dia em que escrevi, existi, deixando as palavras como prova de uma história, esta, parte da qual assistimos hoje dentro destas paredes. E, ao mesmo tempo, para deixar de existir, perdendo a noção do tempo, reduzindo horas a minutos e minutos a segundos, assistindo, maravilhado, ao parto de ideias e palavras num exercício de paternidade onde as palavras são apenas minhas enquanto não forem lidas por outros.

E se escrevo é porque leio, é porque li, com o meu avô, pelo meu avô, e em cada livro uma aula, em cada livro a aprendizagem, nunca interrupta, sempre contínua, e o cunho que a mesma deixa na minha escrita sempre que chego à última página. E só eu sei como escondo de mim a última página, de modo algum querendo saber ao todo quantas vidas tem um livro mais este medo de as ver chegar ao fim e o que o será de nós depois, os meninos perdidos na Terra do Nunca, órfãos de personagens que não voltam mais.

Escrevo para aprender, aprender a escrever, e tivesse eu mais tempo para ler e talvez não desse tantos erros. Tivesse eu mais tempo para aprender e decerto não seria tão ingénuo, para sempre dependendo de ti, Ana, mulher e companheira de armas, o barco perfeito no meio da tempestade perfeita para me trazer de volta à terra.

Por fim, escrevo para poder escrever em português, e em português poder voltar a casa. Porque para onde um dia tivemos de ir não existem acentos graves ou agudos, e só eu sei como na curva de uma cedilha cabem todas as praias de Portugal.

Portanto, obrigado, em nome de todos os livros alguma vez escritos, pela vossa presença. Esta obra que aqui vos apresento não é senão a minha modesta contribuição, pouco mais que um pequeno átomo num universo de ideias, as vossas, passadas ao papel por este servo da escrita, eternamente grato pela sorte de vos ter.

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