Ataques informáticos: o que se sabe e que indícios há contra Moscovo
Um caso que abalou as presidenciais americanas e agora preocupa a Europa.
Washington expulsou 35 agentes russos com estatuto diplomático em resposta aos ataques informáticos que antecederam as eleições presidenciais e que diz terem sido coordenados “ao mais alto nível” pela Rússia numa “ingerência no processo democrático” dos EUA. Moscovo, que nega qualquer envolvimento no caso, ameaçou retaliar, mas o Presidente Vladimir Putin acabou por decidir esperar pela tomada de posse de Donald Trump.
Tecnicamente é muito difícil provar a origem destas acções de pirataria, tantas as formas existentes para mascarar a autoria dos ataques. Mas tanto as autoridades americanas como grupos privados acreditam que a dimensão e o nível de sofisticação destas acções apontam para o envolvimento russo – uma suspeita que inquieta também a Europa.
O que se sabe?
O escândalo rebentou em Junho quando a CrowdStrike, uma empresa americana de segurança informática, revelou que dois grupos de hackers – Fancy Bear e Cozy Bear – tinham penetrado no sistema informático do Partido Democrata. O primeiro tinha conseguido infiltrar-se, no Verão de 2015, a fim de interceptar todas as comunicações do partido, enquanto o segundo atacou e roubou, a partir de Março de 2016, em dossiers relativos a Donald Trump.
A empresa não teve dúvidas: Cozy Bear está ligada aos serviços de informação militares (GRU) e o Fancy Bear aos serviços secretos russos (FSB, ex-KGB). Um mês depois destas revelações, o site WikiLeaks começou a publicar parte dos emails pirateados.
A 7 de Outubro, um relatório com a assinatura das 17 agências de informação norte-americanas concluía que se tratava de uma acção coordenada, orquestrada a partir da Rússia. Com a campanha presidencial no auge, foram publicados quase diariamente emails roubados da conta de John Podesta, responsável máximo da campanha de Hillary Clinton.
As acusações de ingerência continuaram após a vitória de Trump – o Washington Post divulgou um relatório da CIA alegando que as manobras da Rússia visaram a eleição do milionário. No dia 12 deste mês, o Congresso anunciou o lançamento de um inquérito parlamentar às alegadas ingerências russas na eleição.
A Rússia tem meios técnicos para este tipo de ataque?
Os hackers russos são, incontestavelmente, talentosos. Uma tradição herdada da época soviética, quando a URSS estava na charneira da espionagem económica. Mais tarde, a Rússia orientou a sua acção para alvos políticos.
O primeiro país a senti-lo foi a Estónia, há quase uma década. Em 2017, após um diferendo diplomático com Moscovo, os servidores dos principais serviços informáticos do pequeno Estado báltico foram bombardeados com pedidos de acesso, bloqueando-os. Um ataque inédito à escala nacional: o número nacional de emergência do país ficou indisponível durante mais de uma hora.
A Ucrânia e a Geórgia, outros países que nos últimos anos entraram em embate com a Rússia, garantem ter sido alvo de ataques semelhantes.
“Tendo em conta a história da Rússia em matéria de ciberataques, teria a tendência a pensar que se trata de uma coordenação entre agentes privados e governamentais, coordenados ao mais alto nível”, explicou à AFP Andrei Soldatov, director do site Agenta.ru, especializado em questões de segurança e informação.
Que objectivo teriam estes ataques?
Vários observadores consideram que as alegadas ingerências russas visam, antes de mais, minar a confiança na legitimidade das presidenciais norte-americanas, enfraquecendo a futura Administração, fosse qual fosse o vencedor das eleições.
Mas o relatório da CIA vai mais longe, alegando que as operações de Moscovo tinham como objectivo eleger Trump, que assumiu desde o início da campanha uma posição menos hostil em relação a Moscovo e que várias vezes elogiou as qualidades de liderança do Presidente Vladimir Putin.
Soldatov acredita muito mais que a operação visava sobretudo enfraquecer Clinton, a quem o Kremlin considera como “uma espécie de inimigo jurado” desde que ela, enquanto secretária de Estado dos EUA, apoiou as manifestações de 2011 em Moscovo contra a reeleição de Putin. “Não tenho a certeza que o objectivo principal fosse eleger Trump.”
Que outros países temem a ingerência russa?
A Europa está de olhos postos nas presidenciais em França e nas legislativas na Alemanha, ambas em 2017, e também por isso é nos dois países que se concentram as preocupações com uma eventual ingerência russa. Em 2015, o sistema informático do Bundestag foi alvo de uma intrusão, que os serviços de segurança atribuíram a hackers com ligações a Moscovo, o que levou Berlim a apostar nas suas defesas contra a ciberguerra.
Já este mês, a chanceler Angela Merkel avisou que acções de pirataria informática e campanhas de desinformação com origem na Rússia “poderiam jogar um papel na campanha eleitoral”, recorda do Financial Times. O jornal cita responsáveis europeus, segundo os quais os países da UE são mais vulneráveis do que os EUA a este tipo de ingerência, por terem relações económicas mais estreitas com Moscovo, por albergarem alguns deles minorias russófonas, como é o caso da Alemanha, e também pelo conhecido apoio de Putin a partidos populistas europeus, caso da Frente Nacional em França ou a Alternativa para a Alemanha (AfD).