Projecto de Siza para a Porta Nova do Alhambra posto de lado

Junta da Andaluzia invoca parecer do ICOMOS para cancelar construção do novo acesso ao monumento património mundial de Granada.

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Álvaro Siza Ricardo Castelo
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Desenho do projecto para o Alhambra DR

Após seis anos de avanços e recuos, que incluíram polémicas e discussões públicas e diferentes ciclos eleitorais e políticos, a concretização do projecto de Álvaro Siza e do seu colega granadino Juan Domingo Santos para a modernização das estruturas de acesso ao monumento do Palácio de Alhambra parece finalmente posta de lado.

Segundo noticiou esta quarta-feira o jornal El País, a Junta da Andaluzia decidiu que o projecto não vai ser construído, apoiando a sua decisão num parecer do ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), o organismo consultivo da UNESCO para o património cultural, que o considerou “invasivo” e tendo um “impacto negativo no valor universal excepcional deste monumento património mundial”.

Assumindo esta apreciação, a conselheira de Cultura da Junta andaluza, Rosa Aguilar, solicitou à administração do Alhambra e do Generalife (a villa com jardins vizinha do palácio) que respeite a recomendação do ICOMOS.

O projecto de Siza e Santos diz respeito à construção de um novo acesso e estrutura de acolhimento e informação para os visitantes deste complexo de arquitectura árabe dos séculos XIII-XIV, classificado pela UNESCO como Património da Humanidade em 1984. Trata-se actualmente – assinala o El País – do segundo monumento mais visitado em Espanha (teve 2,5 milhões de visitantes em 2015), logo a seguir à catedral da Sagrada Família, de Gaudí, em Barcelona.

Em declaração ao PÚBLICO, Álvaro Siza diz que esta decisão não lhe causou “nenhuma surpresa”. “Há muito tempo que o projecto estava morto, desde que surgiu um conflito político entre a cidade [Granada] e a região, e desde o afastamento da directora” que esteve na origem do concurso internacional, que o arquitecto português e Juan Domingo Santos venceram, em Fevereiro de 2011.

Num comunicado enviado ao jornal espanhol em nome dos dois arquitectos, Juan Domingo Santos lamenta a decisão da Junta da Andaluzia, e recorda que o projecto foi aprovado por unanimidade por “um júri composto por 16 dirigentes de 13 instituições públicas do mundo da Cultura andaluza e nacional”.

Quando foi aprovado, o projecto apontava para um custo de onze milhões de euros. Com o tempo, o orçamento foi subindo – estava actualmente nos 45 milhões de euros, diz o El País –, e a obra foi sendo sucessivamente adiada.

“Quando passa muito tempo sobre a realização do concurso sem obra, já sei que está em crise”, diz agora Siza, reafirmando que, para si, “era já ponto assente que [a Porta Nova do Alhambra] não se ia fazer”. Nada de novo, de resto, na carreira do arquitecto português, que recorda o que se passou com o seu plano de intervenção no Passeio do Prado, em Madrid, em que se avançou “um bocado, mas depois foi interrompido”. E cita também o concurso que venceu para os Arquivos do Ministério da Defesa na capital espanhola, e que ficou igualmente pelo caminho.

No início de 2015, quando Siza e Santos apresentaram em Granada a exposição do seu projecto, Visões do Alhambra, o então responsável pelo conselho de Educação e Cultura do Governo da Andaluzia, Luciano Alonso (PSOE), anunciou que a Porta Nova iria começar a ser construída em 2016.

O facto de entretanto ter havido novas eleições regionais – ganhas na Andaluzia pelo PSOE – e, principalmente – admite o El País citando os meios culturais da comunidade granadina –, o aumento do custo da obra vieram alterar a decisão do governo local, que publicamente já decidiu assumir o parecer do ICOMOS, considerando-o “a máxima autoridade em matéria de património mundial”, disse Rosa Aguillar.

“Como é possível argumentar que o projecto não está integrado e é invasivo na paisagem quando o júri assinalou que uma das suas virtudes principais era a integração num lugar tão sensível?”, pergunta Juan Domingo Santos, comentando a decisão do governo andaluz.

O organismo da UNESCO defende que o projecto seja “reavaliado de forma completa”, acha que alguns dos espaços e serviços previstos no desenho dos dois arquitectos poderiam ser instalados noutro lugar, e recomenda ainda que qualquer alternativa que venha a ser encontrada seja acompanhada de “uma avaliação de impacto patrimonial”.

Siza acha “espantoso” que, entre outras coisas, o organismo da UNESCO venha agora dizer que “um projecto que foi pensado numa relação directa com aquele património monumental se pode construir noutro sítio”.

Já o director do Alhambra, Reynaldo Fernández Manzano, também citado pelo El País, disse-se “totalmente de acordo com a decisão tomada [pela Junta], porque esse era o compromisso que tinha assumido com a cidade. “De momento, o projecto é posto de lado porque não é uma prioridade. Vamo-nos centrar no restauro do conjunto e na recuperação do património no bairro de Albaicín”, acrescentou.

Entretanto, o Conselho da Cultura do governo andaluz anunciou também que vai criar uma comissão consultiva para assessorar a elaboração de uma nova estratégia para resolver a questão da recepção dos visitantes do monumento.

Paralelamente a este processo, o projecto de Álvaro Siza e Juan Domingo Santos tem vindo a ser apresentado na exposição documental Visões do Alhambra, que, antes de Granada (onde este patente no início do ano passado, no Palácio de Carlos V), passara já por Berlim e Basileia, e chegou depois a Oslo, Estocolmo e Toronto.

Álvaro Siza chegou a considerar este projecto como “mítico”, e um dos maiores desafios que enfrentou na sua carreira. “Mesmo se todos os projectos têm a sua dificuldade, este teve uma dificuldade mas também um apelo especial, por se tratar de intervir numa jóia da arquitectura mundial”, disse o arquitecto ao PÚBLICO aquando da inauguração da exposição em Granada.

Mas, afinal, tudo leva a apontar para que este projecto passe também a integrar o extenso catálogo das obras não realizadas do arquitecto Prémio Pritzker de 1992. “E essas são bem mais do que as que foram construídas, mas eu, como não sou masoquista, não quero agora estar a pensar nisso”, acrescentou Siza.

Notícia actualizada às 15h55, com declarações de Álvaro Siza.

sandrade@publico.pt

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