Porquê destruir um edifício quando se pode reutilizá-lo?

O Docomomo, que se ocupa da herança do Movimento Moderno, reúne a partir desta terça-feira em Lisboa arquitectos de todo o mundo para pensar o reúso dos edifícios. Entre eles estão duplas como Lacaton & Vassal e Caruso St. John. De Rem Koolhaas passará uma entrevista gravada para a conferência.

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A Fundação Calouste Gulbenkian é o primeiro edifício do Movimento Moderno reconhecido como Monumento Nacional Daniel Rocha
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Ana Tostões, a presidente do Docomomo Rui Gaudêncio

Quando o Movimento Moderno surgiu, no início do século XX, tinha entre os seus objectivos o de oferecer habitação para todos, usando para isso as novas técnicas e materiais que os arquitectos passavam a ter à disposição. Hoje, em pleno século XXI, uma das preocupações dos arquitectos é como preservar e, em certos casos, reutilizar muitos destes edifícios.

Daí que o tema da 14.ª conferência do Docomomo (a sigla significa Documentação e Conservação Movimento Moderno) — que começa esta terça-feira em Lisboa e se prolonga até sexta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, o primeiro edifício do Movimento Moderno reconhecido como Monumento Nacional — seja Reúso Adaptativo – O Movimento Moderno em Direcção ao Futuro. “Pretende-se tratar o projecto moderno como um processo em curso”, explica a arquitecta portuguesa Ana Tostões, presidente do Docomomo desde 2010. “Parte-se da ideia de que o Movimento Moderno não é algo que acabou nos anos 60 mas que é um processo que acompanha a sociedade contemporânea e que não há formas cristalizadas.”

É necessário hoje olhar para toda a herança modernista e pensar como lidar com ela, aplicando-lhe a mesma lógica que os primeiros arquitectos modernistas adoptaram. “Há um eixo fundamental do Movimento Moderno que é ideológico: é a primeira vez que os arquitectos abraçam este tema do grande número, da habitação para todos. Anteriormente trabalhavam exclusivamente para o poder”, sublinha Ana Tostões. E vão fazê-lo usando materiais novos como o betão armado ou a construção metálica. “A ideia é não esconder os materiais e explorar todas as suas potencialidades. Há uma ambição de espaço diferente, com mais luz e fluidez do que tinha o pensamento arquitectónico anterior, mais limitado pela matéria. O modernismo é uma situação de grande liberdade”, afirma a presidente do Docomomo.

“Hoje temos a consciência de que há um parque construído imenso no mundo e que a ideia da reutilização de estruturas existentes é um tema ligado à sustentabilidade, ao equilíbrio do planeta.” Foi isso que levou o Docomomo, na anterior conferência, há dois anos, em Seul, na Coreia, a introduzir na sua constituição a palavra “reúso” — elevada agora, em Portugal, a tema principal da conferência deste ano. Há exemplos muito interessantes, lembra Ana Tostões, como o da fábrica SESC Pompéia, em São Paulo, um projecto de reúso de um equipamento industrial feito no final dos anos 70 pela arquitecta Lina Bo Bardi, e que será analisado durante um workshop que decorre ligado à conferência (ver texto nestas páginas).

“Não somos uma organização preservacionista, que diz que não se pode mexer em nada”, nota a presidente do Docomomo. “É evidente que dentro do Movimento Moderno há edifícios que são ícones, que são obras únicas e de referência, mas defendemos a ideia de que a arquitectura, os lugares onde vivemos, também evoluem. Temos de separar o trigo do joio. E quando falamos em reúso, isso significa, nalguns casos, conservar, noutros conservar transformando.”

A conferência, que traz a Portugal participantes de muitos países — o Docomomo, criado em 1988 pelos arquitectos holandeses Hubert-Jan Henket e Wessek de Jonge, inclui organizações de todo o mundo e está, desde 2014, sediado em Lisboa —, tem a sua abertura oficial esta terça-feira com a conferência do arquitecto espanhol, vindo de Granada, Juan Domingo Santos, que, num projecto conjunto com Álvaro Siza, venceu o primeiro prémio no concurso internacional para o novo átrio do Alhambra, o complexo palaciano e fortaleza em Granada.

Quarta-feira, o arquitecto português Gonçalo Byrne e o espanhol Joan Busquets irão manter uma conversa, moderada por Josep Maria Montaner, actualmente responsável pela habitação na Câmara Municipal de Barcelona. “O desafio que lhes lançámos”, explica Ana Tostões, “foi o de falarem de Lisboa e Barcelona e do futuro das nossas cidades”. No mesmo dia, entre as 17h e as 18h, será possível assistir a uma entrevista gravada em vídeo com um dos mais famosos arquitectos-estrela da actualidade, o holandês Rem Koolhaas, que falou com Hubert-Jan Henket, um dos fundadores do Docomomo.

Na quinta-feira, a conversa logo de manhã será entre dois portugueses: João Luís Carrilho da Graça e João Gomes da Silva, com moderação de Rui Alexandre, e a conferência do final do dia cabe à dupla francesa Lacaton & Vassal, que tem entre os seus projectos mais famosos a ampliação do Palais de Tokyo, em Paris.

No último dia, sexta-feira, os mais madrugadores poderão ouvir o alemão Winfred Brenne, arquitecto com vasta experiência em projectos de reconstrução, restauro e intervenção em monumentos históricos. E, a encerrar, haverá uma conferência de outra dupla de arquitectos famosa, os Caruso St. John, baseados em Londres e Zurique, e que contam, entre os seus trabalhos (muitos deles ligados a equipamentos culturais), a intervenção na Tate Britain.

A par das grandes conferências, há uma série de sessões nas quais académicos de vários países fazem apresentações ligadas ao tema principal, do reúso, e aos subtemas: paisagens, cidades, espaços públicos, complexos, edifícios, construção e tecnologia, design de interior e mobiliário, teoria. E ainda uma série de mesas-redondas com temas que vão do mapa da habitação pública em Portugal ao modernismo na Ásia, passando pelas mulheres e a herança do Movimento Moderno. O encontro é ainda pretexto para visitar alguns emblemáticos projectos arquitectónicos em Lisboa e no Porto e Norte do país. 

As conferências na Gulbenkian

Dia 6 (das 16h às 18h) — Conferência de abertura com Juan Domingo Santos

Dia 7 (das 9h às 10h)  Gonçalo Byrne e Joan Busquets

Dia 7 (das 17h às 18)  Rem Koolhaas em entrevista-vídeo

Dia 8 (das 9h às 10h)  João Luís Carrilho da Graça e João Gomes da Silva

Dia 8 (das 17h às 18h)  Lacaton & Vassal

Dia 9 (das 9h às 10h)  Winfried Brenne

Para as conferências das 17h há, diariamente, bilhetes disponíveis na bilheteira da Fundação Gulbenkian, limitados à disponibilidade da sala. 

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