Pescadores dizem que se prepara um extermínio de carpas e achigãs

Várias das espécies interessantes para a pesca desportiva foram introduzidas nos rios portugueses. Agora, tenta-se reduzir o seu impacto mas os pescadores não aceitam algumas medidas e dizem que se prepara uma erradicação total. Os ambientalistas dizem que não é esse o objectivo.

Foto
ADRIANO MIRANDA

Os amantes da pesca desportiva, sobretudo das espécies mais procuradas pela comunidade de “um milhão de pescadores amadores e federados de Portugal”, foram apanhados de surpresa com a decisão do Governo de publicar até 2 de Janeiro a lei que permitirá, segundo eles, o “extermínio” de carpas, achigãs e trutas arco-íris. O objectivo das autoridades é combater as espécies que não são naturais em Portugal e que ameaçam as autóctones. Mas quem se dedica à pesca lúdica não se conforma.

Carlos Fazenda, um dos opositores que mais se tem destacado na luta contra a decisão do Governo, descreveu ao PÚBLICO um cenário “preocupante” que passa pela “erradicação de achigãs, carpas e trutas arco-íris das águas interiores portuguesas”. A proposta, do Instituto de Conservação da Natureza e Floresta (ICNF), e que esteve em consulta público, pretende combater as espécies exóticas que abundam tanto nas linhas de água como nas albufeiras das barragens.

Carlos Fazenda publicou, a este propósito, na sua página do Facebook, um comunicado dirigido aos amadores de pesca desportiva com o título: “Um diploma surpresa para Portugal” onde faz uma análise crítica do Decreto-Lei que poderá vir a ser publicado em Janeiro.

O documento apresentado pelo ICNF na consulta pública refere, a dado passo, que, para controlar a população de espécies invasoras, poderá ter de se recorrer a “acções letais ou não letais” (…) com vista a manter o número de indivíduos o mais baixo possível, minimizando a sua capacidade invasora e os impactos negativos na biodiversidade e nos serviços dos ecossistemas a ela associados, na saúde humana ou na economia.”

Este articulado emana do regulamento  nº 1143 do Parlamento Europeu de 22 de Outubro de 2014 que se reporta à prevenção e gestão da introdução e propagação de espécies exóticas invasoras. Nele se determina que os estados-membros terão de aplicar “medidas de gestão que consistem em medidas físicas, químicas ou biológicas, letais ou não letais, destinadas à erradicação, ao controlo ou ao confinamento de uma população de uma espécie exótica invasora.”

Nuno Vereda, dirigente da Associação de Pesca à Pluma da Serra da Estrela, refere que intervenções desta natureza “revelam um profundo desconhecimento da realidade da pesca em águas interiores e sobretudo falta de sustentabilidade científica” e admite a possibilidade de estar a ser preparado “um extermínio em larga escala” de achigãs e carpas. “Se retirarem estas espécies não sei qual será o impacto nas espécies autóctones”, acrescenta Vereda, lembrando igualmente as consequências que poderão advir para as barragens alentejanas onde se encontram “os grandes troféus” daquelas duas espécies. Em Alqueva já decorreram vários campeonatos do mundo de pesca ao achigã.    

“Trata-se, assim, de matéria inédita e arrasadora”, acrescenta Carlos Fazenda, realçando “a total ausência de estudos de impacto ambiental e socioeconómicos” sobre a população e a economia portuguesas “com a morte anunciada de toneladas de achigãs, carpas e trutas arco-íris”.

A lista de erradicação apresentada pelo ICNF inclui em particular o achigã, a carpa e a truta arco-íris, “logo as três espécies mais procuradas pela larga comunidade de um milhão de pescadores amadores e federados de Portugal”, sublinha Carlos Fazenda, admitindo que a sua erradicação pode vir a implicar “desequilíbrios dos ecossistemas, com a proliferação séria de pragas de insectos”, alimento das espécies visadas.

Paulo Lucas, da organização ambientalista Zero, refuta os receios expressos pelas associações de pesca desportiva, considerando o termo erradicação “excessivo” lembrando que só se aplica “quando há entrada inicial de espécies invasoras”, o que não o caso das três espécies de peixe em causa. Recorda que a carpa foi introduzida na Península Ibérica pelos romanos. Por conseguinte, “não traz grandes problemas aos ecossistemas”. Com o achigã é diferente. É uma espécie “muito problemática”, sobretudo nos cursos de água, por ser “muito voraz” das espécies autóctones que “não o identificam como ameaça”, observa o ambientalista, desvalorizando os receios expressos pelas associações de pescadores desportivos e amadores porque “é impossível erradicar as carpas e os achigãs.”

Paulo Lucas advoga a aplicação de medidas de controle que evitem a deslocação das referidas espécies predadoras paras a linhas de águas, onde vão disputar o ecossistema com as espécies autóctones.

Entretanto, o protesto das associações já chegou ao grupo parlamentar do PSD, que manteve uma reunião com os seus representantes, de que resultou a elaboração de um requerimento ao presidente da Assembleia da República, onde questionam o Governo sobre os fundamentos económicos, técnicos e científicos que o levam a erradicar a carpa e o achigã das águas interiores através da sua classificação como espécies invasoras.

Os social-democratas perguntam ainda se o Governo “tem consciência dos graves prejuízos que possam ser causados a uma indústria em crescimento (relacionada com os apetrechos de pesca) e à actividade turística” e que razões justificam a aplicação de uma coima mínima de 4 mil euros quando o pescador amador devolve à água um exemplar de carpa ou achigã com 7 ou 8 centímetros. A generalidade dos pescadores “liberta os peixes que captura” na expressão corrente catch & release que “já ganhou inúmeros adeptos em Portugal”, salienta Carlos Fazenda, lembrando que está a decorrer uma petição publica dirigida ao presidente da Assembleia da República para suscitar o debate deste tema no hemiciclo.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários