“Não se pode dessacralizar levianamente como na António Maria Cardoso”

Dois dos últimos presos políticos, António Perez Metelo e José Pedro Soares, falam do futuro da Fortaleza de Peniche.

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Interior da sede da polícia política PIDE durante a Revolução de Abril de 1974, em Lisboa, na Rua António Maria Cardoso (hoje um edifício de habitação) Alfredo Cunha

José Pedro Soares é o primeiro subscritor da petição entregue na Assembleia a 5 de Outubro. Membro da União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), estava preso no Forte de Peniche quando se deu o 25 de Abril. Passou três anos entre Caxias e Peniche e na última prisão esteve nos pavilhões A e B, os dois que estavam marcados para demolição no projecto da pousada.

“A decisão chocava um pouco. Muitos sentiam-se indignados e mesmo revoltados. Quisemos sensibilizar a AR e o Governo para não se concessionar o espaço aos privados, destruindo coisas para construir outras que podem estar em qualquer lugar.”

O que a URAP queria mesmo é que o Governo avançasse com verbas para recuperar a Fortaleza de Peniche. “Dá para muita coisa. É um espaço que deve ser erguido para futuras gerações. A descaracterização daquele sítio é um crime.” Na sua opinião, os locais querem é que o problema seja definitivamente resolvido: “Aquilo pode ser um centro cultural moderno. Tem de ser um sítio com vida. Se tirarem as grades para fazer uma pousada, o mistério que aquilo tem vai-se perder todo.”

O jornalista António Perez Metelo foi transferido para a prisão de Peniche em Março de 1974 – um mês antes da Revolução de Abril –, depois de ter estado um ano em Caxias à espera de julgamento. “O meu caso foi o último processo do regime a ser julgado até ao fim.”

Não é fundamentalista ao ponto de dizer que não se pode fazer ali um restaurante. “Não me atrevo a dizer, como alguns outros ex-presos de Peniche, que acham que se aquele espaço se tiver múltiplos usos fica diminuído nessa dimensão de memória. Não vou tão longe porque compreendo que há património do Estado que tem de ser valorizado, mas as coisas também têm de ter a dimensão suficiente para manter a nossa memória.”

O que aconteceu com a sede da PIDE na António Maria Cardoso, em Lisboa, transformada num condomínio de luxo, também acha francamente mal. “Dizia-se que se ia manter lá um núcleo para recordar e depois aquilo ficou em nada. Apagou-se completamente a memória do que aquele complexo significava. O que acho essencial, como noutros centros que estão carregadinhos de história que é muito pesada, é garantir a manutenção de uma memória que não seja simplesmente anedótica, que não seja uma placa numa parede.”

Porque é importante que os seus netos – os filhos já lá os levou – “tenham uma ideia de quão diferente eram a vida, a organização política, a sociedade, as relações de poder, o conceito de cidadania, etc... e do quanto foi preciso lutar e sofrer para termos hoje o que temos”. Decisões dessas, que mexem com a nossa História, têm de ser feitas com uma base informada. “Não há muitos Fortes de Peniche em Portugal. No imaginário e na memória de muitas pessoas que resistiram ao Estado Novo, Peniche há só um, aquele e mais nenhum.”

Neste momento, aquilo que está lá não é muito atractivo e Perez Metelo percebe a razão por que as forças políticas locais querem valorizar um equipamento daquela dimensão com problemas de conservação e tirar mais-valias resultantes de uma exploração comercial. “O essencial é que quem pegue naquilo perceba – e eu sou laico, não sou crente – que para muita gente aquilo é um lugar sagrado. Não pode ser dessacralizado levianamente para se apagar, como se apagou na António Maria Cardoso, de uma forma absolutamente buldózer, a memória.”

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