Hospital de Braga com PPP não responde “às necessidades da população”
Tribunal de Contas destaca aumento das listas de espera para consultas e para cirurgias com a Parceria Público-Privada. Situação de "falência técnica" é também destacada.
O Hospital de Braga não tem “atendido às necessidades de cuidados de saúde da população”. Apesar de, nos últimos anos, ter feito mais consultas e cirurgias, esta unidade, que funciona em regime de Parceria Público-Privada (PPP), aceitou um contrato que prevê uma produção de cuidados de saúde que sabe “ser insuficiente”. As conclusões fazem parte de uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) à execução do contrato de gestão deste hospital do Grupo José de Mello Saúde à qual o PÚBLICO teve acesso.
“A produção de cuidados hospitalares acordada anualmente entre o Estado e o parceiro privado não se tem subordinado às necessidades de serviços de saúde da população, conduzindo ao aumento das listas e dos tempos de espera para consultas e cirurgias”, lê-se no relatório do TdC. Aliás, no entender dos relatores do documento, se o contrato reflectisse o que é realmente necessário “o volume de cuidados de saúde contratado, em 2015, teria sido superior, no mínimo, em 23%”.
Em resposta ao PÚBLICO, o hospital rejeita e considera "errado" que não responda às necessidades da população. "O Hospital de Braga responde a toda a actividade contratualizada pelo Estado, excedendo-a em alguns casos, e está e sempre esteve apto para responder a todas as necessidades da população", diz em comunicado. "O Hospital de Braga considera que as conclusões e recomendações do Tribunal de Contas são claras e vêm confirmar a necessidade de maior contratação de actividade por parte da Administração Regional de Saúde do Norte, algo que o hospital tem vindo insistentemente a propor ao longo dos anos", acrescenta
Este documento do TdC é conhecido poucos dias depois de a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP) do Ministério das Finanças ter defendido num outro relatório, citado pelo Diário de Notícias, que o Hospital de Cascais deve continuar a ser gerido por privados, mas recomendando-se ao Governo que lance um concurso para uma nova parceria. O Governo tem de decidir até ao final do ano se continua ou não com a PPP em Cascais. Também em Novembro, um estudo da Universidade Católica, encomendado pelas empresas que administram as unidades, concluiu que a gestão do Hospital de Braga e do Hospital de Cascais poupou ao Estado cerca de 200 milhões de euros em quatro anos.
Governo tem de reavaliar o contrato
O próximo contrato que o executivo de António Costa tem de analisar é o do Hospital de Braga, com a data limite de 31 de Agosto de 2017. Sobre esta possível renovação, o TdC diz que, pelas respostas do Hospital de Braga ao tribunal, é possível antever que o parceiro privado quer investir num novo contrato “em termos diferentes dos actuais, que lhe permita a recuperação de perdas incorridas ao longo do contrato actualmente em execução”
Perante os dados recolhidos, o TdC, nas recomendações às mais variadas entidades, desde o Ministério da Saúde, à Administração Central do Sistema de Saúde, à Administração Regional de Saúde do Norte e ao próprio hospital, coloca a tónica na necessidade de se fazer um contrato que dê resposta às reais necessidades de saúde dos utentes que são atendidos na unidade de Braga.
Para o TdC, na base desta desadequação entre o que é feito e o que as pessoas realmente precisam estão as “restrições orçamentais” do país. “O parceiro privado tem-se acomodado às propostas do parceiro público, ‘investindo’ numa eventual renovação do Contrato de Gestão que lhe permita ressarcir-se das perdas já acumuladas”, justifica-se.
Entre 2009 e 2015 o hospital aumentou em 99% o número de consultas externas, mas esse valor não chega. Até porque houve uma quebra nos últimos anos, o que agrava os tempos de espera a que os doentes são sujeitos. Desde 2009 e até ao ano passado as consultas passaram de 234.277 para 466.287.
Porém, desde 2013 que o Estado contrata à instituição menos consultas do que as realizadas no ano anterior. Para o TdC isto significa que “é assumido, à partida, que o contratado não permite atender à procura de cuidados de saúde” e que a “actividade não será remunerada” – já que quando os hospitais fazem mais consultas do que aquelas a que se comprometeram não são pagos por isso.
Como resultado, em 2015, os doentes esperaram, em média, 117 dias por uma consulta. O TdC compara este resultado com o que acontece no Centro Hospitalar do Porto, onde os doentes esperaram 83 dias. O mesmo acontece com as cirurgias, com os doentes a esperaram em média 80 dias no ano passado. No Centro Hospitalar de São João, utilizado pelo próprio tribunal para comparar, a espera foi de 57 dias. Por outro lado, sempre que o hospital faz mais consultas e cirurgias do que tinha acordado com o Estado acabar por não ser ressarcido por isso – o que fragiliza ainda mais a situação financeira da instituição.
Situação de falência técnica
Isto acontece porque, segundo a auditoria, a actividade da unidade está a ser fortemente condicionada pelos problemas financeiros arrastados e pela “situação económico-financeira frágil”: “a sociedade gestora opera desde 2011 e continuará previsivelmente a operar até ao final do contrato numa situação de ‘falência técnica’”. Um dos problemas encontrados pelo TdC está no facto da sociedade que gere o hospital “depender fortemente de capitais alheios” e que servem para “cobrir os défices anuais de tesouraria”.
Do lado positivo, a auditoria destaca que “a gestão do Hospital de Braga tem sido eficiente na utilização dos recursos”. Por exemplo, no ano passado, o hospital gastou uma média de 2158 euros com cada doente – o que revela ser o valor “mais baixo entre todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”. O próprio Estado deu ao hospital um valor de 2084 euros por cada doente, que também é “o mais baixo entre os hospitais de gestão pública seleccionados para comparação”.
Em termos de qualidade e segurança dos doentes, o Hospital de Braga também consegue monitorizar um conjunto de dados de forma “mais exaustiva e exigente” do que os hospitais do SNS com gestão pública. Para o TdC, o facto de os hospitais com gestão pública não conseguirem recolher dados que permitam fazer uma comparação com as PPP impede “a percepção dos contribuintes e demais utentes do SNS sobre a valia relativa dos dois modelos de gestão”.
Aliás, o TdC, nas recomendações feitas, entende que a tutela deveria realizar “inquéritos de satisfação dos utentes de todas as unidades hospitalares do SNS, por forma a permitir a comparação entre os hospitais geridos em PPP e os restantes hospitais do SNS”.