Cave Story: Afinal a Oeste há algo de novo
West são doze canções de rock deliciosamente económico. Música sobre falhar e sobre vencer apesar do falhanço. Ganhámos, definitivamente, os Cave Story.
O Parthenon, berço da civilização ocidental tal como a conhecemos. O Parthenon, erguido na Acrópole de Atenas, irradiando luz sobre as trevas do obscurantismo no topo da colina rochosa na capital grega. O Parthenon, capa do primeiro álbum dos portugueses Cave Story, West. É uma imagem de forte simbolismo. Os Cave Story têm certamente coisas a dizer. Coisas importantes. E reparem no "West" na capa. Está escrito da direita para a esquerda, em efeito espelho. Os Cave Story, trio habitante do Ocidente, gente vinda do Oeste.
“Toda a gente acha piada a sermos uma banda das Caldas da Rainha e não haver nada nas Caldas”, dirá Gonçalo Formiga, vocalista e guitarrista. Desenvolve: “Já andávamos a pensar nesta temática há algum tempo. Somos uma banda do Oeste e a maior parte daquilo que escrevíamos passava por criar one liners com piada, não confundir com graçolas, que dissessem alguma coisa sobre a nossa condição. Somos do Oeste de Portugal, portanto do Ocidente no mundo e esta é a nossa experiência, isto é o que aprendemos até agora, é aquilo sobre o qual conseguimos compor e escrever”. Lá do topo da colina, do Parthenon, se tivermos os olhos dos Cave Story, não é Atenas que vemos. Apresente-se West, o mui entusiasmante álbum de estreia da banda das Caldas da Rainha.
Saltaram-nos à vista em 2014 com uma canção de fina ironia pop, balanço nervoso e ritmo minimal. Richman, assim se chamava a canção que sonhava elevar o grande Jonathan Richman a rei de tudo e de todos (e a capa já tinha templo grego e tudo). Nela, no EP Demos que a antecedera ou no que lhe sucedeu, Spider Tracks, descobria-se um trio que, guiado pelas vocalizações de Gonçalo Formiga, nasaladas e no limite do blasé, o que lhes dava um carisma especial, caminhava a rota dos vários pós-punks anglo-saxónicos para chegar a canções tão económicas quanto eficientes. Um rock cru e directo, sem pachorra para qualquer divagação que não fosse estritamente obrigatória. Atravessavam-se nas suas canções memórias de Pavement, Feelies, Wire, Television Personalities ou, obviamente, dos Modern Lovers do homenageado Jonathan Richman.
Eram banda com muita música na cabeça, bem compartimentada e melhor misturada porque, eis o primeiro segredo, notava-se em Gonçalo Formiga, no baixista Pedro Zina e no baterista Ricardo Mendes um cuidado em que a ideia de canção não sucumbisse ao prazer da citação de referências – o segundo segredo está registado na memória de quem os viu em concerto: a capacidade de se transformarem em power-trio de alta voltagem quando, frenéticos, subiam a palco. Por tudo isso, e perante a atenção crescente que foram vendo recair sobre si, o álbum de estreia era aguardado com expectativa. Eles estavam conscientes disso. “Sempre tivemos um respeito diferente pela ideia de álbum. Tem um outro peso. Queríamos que se tornasse um marco para nós ou para quem gosta de nós”, confessa Gonçalo.
Poucos versos avançámos na primeira canção, Body of work, até chegarmos aos seguintes, cantados naquele modo pausado, pachorrento: “Telling my head it’s got to be fun / Clever, inventive, productive, deviceful / Inspired but faster”. Depois, a ‘punch line’: “And still we miss most part of it”. A conversa não vai longa quando falamos dos Television Personalities, a grande banda de culto britânica liderada por Dan Treacy, um mestre no comentário pop. Os Cave Story lembraram-se de fazer uma canção para Jonathan Richman, diz Gonçalo Formiga, porque os Television Personalities tinham uma dedicada a Syd Barrett. Os Cave Story, que muito apreciam esta metalinguagem em canção, deixaram de parte em West esse tipo de referências, mas mantêm a tendência para a autodepreciação como comentário social e geracional. “And still we miss most part of it”, não é?
Caldas e Nova Iorque
“Nós somos os três do Sporting e há uma coisa a que achamos graça. Parece que fazes tudo bem, parece que está tudo a correr bem mas, no fim, perdes na mesma. Futebol à parte, sentimos muito isso. Como é que se lida com o facto de te esforçares sempre ao máximo e, mesmo assim, as coisas não correm bem?”. Fazendo dessa fraqueza força, naturalmente. West é sobre isso. Melhor, West é isso. Uma vitória, assinale-se. “I’m doing my best / To come up with something / I didn’t try at all”, cantam em Trying not to try, guitarra a derramar luz sobre rock’n’roll que avança ao ritmo do pé preguiçoso em busca de dança que o faça sentir alguma coisa, qualquer coisa.
Eles vêm das Caldas da Rainha, Portugal, e referenciam os nova-iorquinos Velvet Underground em American nights. Gonçalo comenta. “é aquela coisa: como é que vais fazer alguma coisa de relevante estando neste canto de Portugal, quando desde Nova Iorque tudo parece mais relevante e importante?”. A questão tem resposta rápida. Em Nova Iorque ou nas Caldas. “A disposição das pessoas e os circuitos podem ser diferentes, mas de resto é tudo igual. São pessoas a viver um mesmo tempo e a tentar escrever sobre as mesmas coisas”. Eis, novamente, West.
Gravado tal como os registos anteriores ao vivo no estúdio, West nasceu num anexo tornado sala de gravação na cidade natal da banda – as excepções são Body of work, registado nos Estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço de Arcos, e Like predicted, saído dos Estúdios Sá da Bandeira, no Porto. Não há uma transformação no som da banda, apenas uma outra atenção ao detalhe sonoro e uma maior preocupação com a estrutura das canções. “Quisemos ser mais simples e directos, o mais naturais possível”, explica Gonçalo. Quiseram, também, que cada uma das canções ajudasse a compor esse retrato de ansiedades, perplexidades e vitórias dos beautiful losers que habitam este vasto Oeste dos Cave Story.
Tudo o que fizeram antes, e foi muito bom o que criaram até aqui, obrigava a que lhes prestássemos atenção. Com West, com este rock’n’roll económico e ora elegante, ora marcial, ora tenso, ora lúdico, temos perante nós canções que, tentando sem tentar, reflectem e fazem o seu tempo.