Guilherme Figueiredo, um advogado com alma de poeta
O novo bastonário dos advogados já tinha concorrido à liderança da Ordem em 2013, mas perdeu para Elina Fraga, a adversária que três anos mais tarde conseguiu derrotar. Quem é o novo representante dos advogados portugueses?
Publicou um livro de poesia, fez teatro na juventude e é um espectador compulsivo de cinema. O percurso de Guilherme Figueiredo, eleito na quarta-feira bastonário da Ordem dos Advogados, extravasa em muito as salas dos tribunais. Nascido há 60 anos na freguesia de Massarelos, no Porto, Guilherme Coelho dos Santos Figueiredo despertou cedo para a cultura. “Aos 12 anos fiz teatro no liceu D. Manuel II e mais tarde teatro radiofónico”, recorda o próprio.
Saiu do Porto já com 20 anos para rumar à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde terminou o curso em 1982. Isto depois de vencer as muitas dúvidas sobre o percurso a seguir. Na associação académia organizou ciclos de cinema e antes de terminar a licenciatura chegou a fazer um curso de realização com o cineasta Lauro António. Passou pelo Teatro Universitário de Coimbra e foi representante dos alunos no conselho directivo da faculdade e na assembleia de representantes.
“É essencialmente um homem preocupado com o mundo que o rodeia. Muito curioso com tudo à sua volta”, resume o artista plástico Armando Alves, amigo de longa data do advogado. Conheceram-se nos anos 80, ainda Guilherme Figueiredo vivia em Coimbra, quando o estudante lhe apareceu no Porto a pedir para fazer uma capa da revista cultural Vértice. “A partir daí nunca mais nos desligámos”, conta o artista.
Discreto e combativo
Com o curso terminado, Guilherme Figueiredo regressou ao Porto. Estagiou em Famalicão com o advogado Macedo Varela e depois montou escritório na cidade onde nasceu. “Ainda não havia as dificuldades que existem agora”, explica o futuro bastonário, que deverá tomar posse em Janeiro. A primeira clientela era oriunda dos meios que frequentava: pintores, escultores, escritores e pessoas ligadas ao cinema. Com o tempo, foi-se especializando no direito ligado às empresas, nomeadamente na área do trabalho, e no direito da família. Nunca integrou sociedades de advogados, preferindo partilhar escritório com alguns colegas, uma das quais é a sua actual companheira. “Faço uma advocacia muito discreta”, caracteriza o próprio.
Divorciado e sem filhos, o advogado manteve sempre um pé em organizações culturais do Porto. Foi presidente do Cineclube do Porto no início dos anos 90 e, uns anos mais tarde, líder da direcção do Teatro do Campo Alegre. Actualmente é presidente da administração do Lugar do Desenho – Fundação Júlio Resende. O actor António Reis, membro da direcção da Seiva Trupe, cruzou-se muitas vezes com Guilherme Figueiredo, nas assembleias gerais da companhia de teatro e nas do FITEI, a que o advogado presidia, e nos espectáculos. “Sempre viu muito teatro”, diz o actor, que elogia a combatividade do advogado.
Guilherme Figueiredo já tinha concorrido à liderança da Ordem, em 2013, mas perdeu para Elina Fraga, a adversária que três anos mais tarde conseguiu derrotar. Mas já nessa altura conhecia bem os bastidores da Ordem. Fora durante seis anos presidente do Conselho Distrital do Porto. Rui Assis, amigo e vice-presidente de Figueiredo naquele órgão, confirma a persistência do colega e elogia-lhe a capacidade de liderança. Recorda, como certeira, uma descrição que outro advogado do Porto, Miguel Veiga, fazia de Guilherme Figueiredo: “É uma pessoa de bem pensar e de bem-fazer.” Assis destaca ainda a capacidade do futuro bastonário de construir pontes.
O jornalista Germano Silva, que conheceu o advogado no conselho de fundadores do Lugar do Desenho, em 1993, acredita que Guilherme Figueiredo será um bom bastonário. “Tem sido um bom gestor da fundação, um homem dialogante e de consensos”, sintetiza. O jornalista, autor de diversos livros sobre o Porto, descreve o futuro bastonário como um homem sério e que “vai para os cargos para servir”. “Conversar com ele é como estar numa biblioteca. É um homem com uma base cultural muito sólida e muito ampla”, sustenta.
Adversário nas duas corridas a bastonário, Jerónimo Martins recorda momentos de tensão desde que conheceu, há oito anos, Guilherme Figueiredo. Era então vice-presidente da Ordem, liderada por Marinho e Pinto, e o futuro bastonário presidente do Conselho Distrital do Porto e, várias vezes, opositor da então liderança dos órgãos centrais. Martins, que acabou por apoiar Figueiredo na segunda volta destas eleições, reconhece qualidades de liderança ao vencedor. Considera, contudo, que por vezes os seus discursos são “pouco perceptíveis para o comum dos destinatários”. Fala de um homem “afável” mas também “com alguma assertividade”. E apesar de lhe reconhecer apetências para construir pontes, nota que “em alguns momentos também é capaz de assumir posições de menor flexibilidade”.
O advogado Rui Patrício, um dos mandatários regionais da candidatura de Figueiredo, explica porque o apoiou: “Era a pessoa certa para dar à Ordem uma voz activa, audível e respeitada. E para fazer dela uma instituição essencial no Estado de direito democrático”. Apesar disso, reconhece que o colega, às vezes, “faz discursos muito longos”.