O velho Oeste
Jeff Bridges é imperial num filme que tem tudo de western moderno mas apenas prova como o género apenas pertence ao passado: Custe o que Custar.
Há ladrões de bancos, um xerife que os persegue, e um rancho hipotecado que precisa de ser salvo das garras dos latifundiários, e uma perseguição com tiros por planícies poeirentas. Mas, como às tantas diz um velhote que não tem mais nada que fazer a não ser jogar dominó no café, ladrões de bancos é coisa que hoje já não há; o xerife está à beira da reforma por velhice; o latifundiário que quer o rancho é um banco, daqueles que não tem problema em expropriar propriedades por falta de pagamento das hipotecas. E a perseguição com tiros? Em vez de cavalos, são carrinhas, camiões de caixa aberta e todo-o-terrenos, e em vez de pistolas são espingardas e metralhadoras.
Não é difícil perceber porque é que se olha para Custe o que Custar como um western moderno, mas o que torna o filme do britânico David Mackenzie mais do que apenas isso é a consciência desarmante que o atravessa de que, mesmo hoje que as planícies do Texas continuam poeirentas e as comunidades habitadas por um punhado de gente teimosa continuam espalhadas pelo território, o tempo já não volta atrás. O que os irmãos Howard querem fazer, roubando pequenas quantias em bancos para “lavar” o dinheiro jogando em casinos e salvar no processo o rancho da família, é travar o ciclo da pobreza, da exploração do rancheiro pelo barão de gado que agora é o banqueiro: logo no espantoso primeiro plano do filme, um longo travelling silencioso que estabelece tudo o que se vai seguir sem palavras, há uma pichagem numa parede que diz “três comissões de serviço no Iraque mas para gente como nós não há resgate”. Se o velho western se construía sobre a esperança de um novo recomeço, sobre a capacidade e resiliência de indivíduos que desbravava território, hoje sobra apenas o desalento e a sobrevivência e o “cada um por si” num mundo onde os dados estão viciados à partida.
Custe o que Custar, então, joga com a iconografia toda do western para a desmontar como uma simples projecção, mais uma imagem do “sonho americano” que a realidade se encarrega brutalmente de desintegrar. Fá-lo apegando-se àquilo que de mais telúrico e permanente ela tem – a paisagem e os homens - mas sem se deixar iludir pela esmagadora grandeza de uma nem pela postura sólida dos outros, e, sobretudo, desfazendo-se por completo do maniqueísmo bem-contra-o-mal. Em seu lugar, apenas uma paleta de cambiantes queimados pelo sol e cobertos pela poeira, com um Jeff Bridges imperial no papel do velho ranger que já viu tudo, testemunha impotente do modo como os tempos mudaram e como o velho Oeste já desapareceu. E um encontro improvável mas certeiro entre a visão desencantada de um argumentista (Taylor Sheridan, já responsável pelo excelente Sicario de Denis Villeneuve) e o olhar exterior de um realizador de visita (o britânico David Mackenzie, que assina aqui, de muito longe, o seu melhor filme). Uma surpresa.