Os eSports: uma realidade inescapável no século XXI
O século XXI está a desafiar o ordenamento jurídico que regula o Desporto e as problemáticas jurídicas que acompanham o eSports serão uma demonstração cabal desta nossa afirmação.
1. O tema que envolve os eSports assume cada vez mais um relevante papel na sociedade portuguesa. Fazendo o autor deste texto parte de uma geração que cresceu com um contacto constante – e, em particular, por ser também um apreciador dos muitos jogos que servem de objecto às disputas entre concorrentes – com uma realidade cultural que diz respeito aos jogos electrónicos, não pode deixar de se dar nota também do especial gosto pelas linhas que seguem. Trata-se de um tema simpático e com um interesse alargado na nossa sociedade.
2. Numa síntese, por eSports deve entender-se a organização competitiva baseada num confronto virtual (em regra, online) entre um ou mais jogadores que buscam obter um determinado resultado (também ele virtual). Engana-se quem pensa que os jogos virtuais objecto de competição são limitados, existindo, pelo contrário, uma multiplicidade de exemplos. Entre estes encontram-se, em especial, a saga futebolística FIFA, Pro Evolution Soccer ou o conhecidíssimo first-person-shooter Counter Strike.
3. Refira-se, desde logo, que não se abordará um problema muito importante que se relaciona com a sua qualificação como autêntico desporto ou não. Sem prejuízo dessa discussão relevante, parece, na verdade, ser possível constatar que os eSports são, sem margem para dúvidas, uma realidade nova que merece um escrutínio jurídico sério, uma vez que vão colocando problemas que já têm relevância.
4. É que com o crescente fluxo económico que gira em torno desta actividade competitiva, cresceram também os problemas jurídicos relacionados com a mesma, desde logo, pela concomitante profissionalização. Com efeito, desde problemas com contratos de patrocínio – é sabido que os patrocínios a eventos competitivos crescem a larga escala –, contratos de prestação de serviços, contratos de representação, entre outros, exigem também uma abordagem jurídica especializada. Não se pode também ignorar a possibilidade de utilização de meios alternativos de resolução de conflitos, nomeadamente, a arbitragem.
5. As estruturas de regulação desta nova modalidade encontram-se também elas cada vez mais centralizadas, embora ainda não exista, salvo erro não intencional, uma federação portuguesa que regule toda a actividade que envolve os eSports (ao arrepio, por exemplo, da recentemente criada World Esports Association [WESA]). Um dos motivos para a inexistência daquela, são – com toda a certeza – as dúvidas que emergem relativamente à qualificação dos eSports como actividade desportiva. Este facto não invalida, porém, que possa existir uma estrutura organizativa semelhante a qualquer federação desportiva, mas, caso se entenda que os eSports não podem ser reconduzido a uma modalidade desportiva, então esta estrutura organizativa de regulação que seja criada não poderá adquirir o estatuto de utilidade pública desportiva, tal como previsto no Regime Jurídico das Federações Desportivas (Decreto-Lei n.º 248-B/2008, na redacção do Decreto-Lei 93/2014).
6. O maior problema que pode surgir é, em regra, a inaplicabilidade ou pouca adequação ao fenómeno dos eSports das normas jurídicas ou dos instrumentos jurídicos relacionados com o desporto. Neste sentido, é possível reconhecerem-se três problemas muito relevantes.
7. Em primeiro lugar, começa a ser discutido em que medida devem ser reguladas (especificamente) as apostas sobre eSports – não sendo totalmente líquido se o regime jurídico das apostas e jogo online (Decreto-Lei n.º 66/2015) é aplicável a esta realidade – prevenindo eventuais falseamentos ao resultado obtido na competição virtual. Em segundo lugar, costuma ser mencionada a potencial susceptibilidade de dopagem dos competidores, desde logo, quando implique a utilização por parte destes de substâncias que melhorem o seu desempenho intelectual e que, deste modo, possa potencialmente também colocar em causa a sua própria saúde. A verdade é que também aqui se deve ponderar se os praticantes de eSports podem ser, por exemplo, considerados “praticantes desportivos” para efeitos do artigo 2.º, alínea mm) da Lei de antidopagem (Lei n.º 38/2012, na redacção da Lei n.º 93/2015). Em terceiro lugar, merece destaque também a opção da WESA demonstrando intenções de criar um mecanismo arbitral voluntário, sediado em Zurique, com o objectivo de permitir resolver as questões jurídicas com rapidez e flexibilidade, excluindo, assim, a cognição dos tribunais estaduais – exceptuando em condições excepcionais – de todos os conflitos que se coloquem no âmbito da actividade dos eSports. Sem prejuízo do mérito da solução, a opção tem o valor de demonstrar que as equipas de eSports podem buscar formas diferentes de resolução de conflitos, mais adequadas às suas necessidades, não tendo que obrigatoriamente de optar por um tribunal estadual ou um centro arbitral específico, detendo pelo contrário a liberdade de escolher o modo como irão ser resolvidos os conflitos que possam emergir da actividade competitiva virtual, nomeadamente, com a submissão a um tribunal arbitral ad hoc por eles constituído. Não se deixa, porém, de colocar a questão de saber se a arbitragem é uma forma adequada da resolução de todos os conflitos que derivem da prática dos eSports.
8. Em suma, os eSports não podem, de modo algum, ser negligenciados, consubstanciado um bom exemplo das novas formas competitivas entre seres humanos (embora mediados por um interface informático) que merecem uma análise jurídica adequada. O século XXI está a desafiar o ordenamento jurídico que regula o desporto e as problemáticas jurídicas que acompanham o eSports serão uma demonstração cabal desta nossa afirmação.