Há um genocídio em curso no Sudão do Sul, avisa a ONU

A guerra civil que estalou há três anos está a arrasar o país e as organizações internacionais temem um novo Ruanda.

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Soldado do Exército do Sudão do Sul durante combates em Outubro AFP/ALBERT GONZALEZ FARRAN

Cerca de cem homens do Exército sul-sudanês chegaram à aldeia de Tore Payam, começa por contar Charity Mandulu. “Primeiro pediram coisas. Quem não lhas dava, era morto”, prossegue Charity, que falou à Reuters após uma semana de caminhada até encontrar refúgio na República Democrática do Congo. Quando a guerra civil no Sudão do Sul se prepara para entrar no quarto ano, acumulam-se os sinais de que o mundo está prestes a assistir a mais um genocídio em África, avisam as Nações Unidas.

Uma comissão das Nações Unidas passou dez dias no país e traça um panorama preocupante: “Já está em curso um processo firme de limpeza étnica em várias áreas do Sudão do Sul, através da fome, violações em grupo e o incêndio de aldeias”, disse a chefe da comissão Yasmin Sooka, citada pela Al-Jazira. Os observadores temem uma repetição do que aconteceu durante a guerra civil no Ruanda, quando, durante poucos meses em 1994, centenas de milhares de tutsis foram massacrados por membros da etnia hutu.

O Presidente, Salva Kiir, nega que o Exército tenha participado em acções de limpeza étnica e o Governo garante que os soldados apenas combatem os rebeldes. Porém, de acordo com relatos de refugiados como Charity, tanto rebeldes como o Exército têm perseguido civis. A refugiada conta que uma mulher e um vendedor foram mortos na sua aldeia por serem suspeitos de colaborarem com os grupos rebeldes. O responsável da ONU para a Prevenção do Genocídio, Adama Dieng, tinha avisado, no início de Novembro, para o risco de uma “guerra étnica aberta” e dizia haver “potencial para um genocídio”.

A violência no Sudão do Sul – país que conseguiu a independência do Sudão há apenas cinco anos – estalou no final de 2013 na sequência de uma luta pelo poder entre Salva Kiir e o seu antigo vice-presidente, Riek Machar, que desde então encabeça uma rebelião anti-governamental. Os dois antigos companheiros de armas da luta pela independência são de duas das principais etnias do país, o que tem motivado a emergência de um conflito sectário. Dezenas de milhares de pessoas morreram e há cerca de três milhões de deslocados.

A própria falta de um registo concreto do número de vítimas mortais – as estimativas variam entre 50 mil e 300 mil mortos – é demonstrativa de uma “falta de humanidade chocante” da parte da comunidade internacional, critica Casie Copeland, investigadora do International Crisis Group.

A guerra provocou também uma nova crise de refugiados no coração de África. Quase quatro mil pessoas chegam ao Uganda todos os dias, onde o campo de refugiados de Bidibidi acolhe 188 mil pessoas. A Etiópia já recebeu 36.600 pessoas e o Congo 57 mil, escreve a Reuters.

Os EUA temem que o Exército se esteja a preparar para lançar uma nova ofensiva “nos próximos dias ou semanas”, avisou o representante norte-americano no Conselho de Direitos Humanos da ONU, Keith Harper. O fim da época das chuvas – que termina em Dezembro – na região é propício a uma intensificação dos combates.

Os relatos surgem numa altura em que os EUA desistiram de propor ao Conselho de Segurança da ONU um embargo à venda de armas ao Governo do Sudão do Sul, revela a Foreign Policy. A embaixadora norte-americana, Samantha Power, decidiu pôr de lado a proposta depois de se ter tornado evidente a grande oposição por parte de outros membros, tais como a China, Rússia e os países africanos. Até agora, Washington tinha mostrado relutância em avançar para um embargo de venda de armas, com receio de que as forças governamentais ficassem impossibilitadas de se defenderem

“Estamos a soar o alarme. Pedimos ao Governo do Sudão do Sul para que não lance a ofensiva que está planeada”, disse Power ao jornal Voice of America. O apelo pode, porém, ter vindo demasiado tarde. Uma carta datada de 25 de Novembro dirigida para a sede do Exército, consultada pela Reuters, faz referência ao fornecimento de 20 mil rockets, 20 mil granadas, 7964 morteiros e quase três milhões cartuchos de munições.

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