Finalmente, sossego na Caixa?
Este processo teve ainda uma outra vantagem. Provou que o governo tem que preparar as decisões sobre a banca com cuidado e que não deve contar com seguidismo.
Golpe de teatro ao cair do pano: Domingues demite-se mas apresenta a sua declaração de interesses, com vários administradores. Portanto, acrescentam logo as fontes anónimas da administração cessante, o problema não era a declaração, é que a “falta de apoio político” podia “rebentar tudo”.
É difícil de acreditar nesta fantasia, a não ser que nos expliquem que foi só insensatez que levou alguém a cavar o seu buraco prolongando deliberadamente a crise, que podia ter sido encerrada pelo menos desde 7 de novembro, quando o Presidente da República impôs a entrega da malfadada declaração. O que é certo é que estas fontes misteriosas da equipa de Domingues não conseguem explicar por que é que a entrega tardou três semanas desde que o Presidente lhes deu xeque-mate e o Primeiro-Ministro tornou claro que o governo não aceitava a isenção. E muito menos conseguem explicar qual foi então a razão da demissão: se não foi o papelinho, a “falta de apoio político” não qualifica pois beneficiaram de uma santa paciência institucional mesmo enquanto meticulosamente destroçavam a sua própria imagem. De facto, parece ter sido Domingues e não o governo quem falhou ao compromisso estabelecido entre ambos há semanas. Portanto, lamento, mas não compro esta insinuação sobre a birra da administração e as grandes conspirações celestiais.
Curiosamente, Domingues consegue na 25ª hora alguns apoios curiosos que invectivaram a aprovação parlamentar da imposição da obrigação declarativa, sugerindo que essa regra de transparência conduziria, numa vertiginosa sucessão de desgraças, ao colapso do plano de recapitalização. O governo enterrou esta tonteria sem dó nem piedade: o Primeiro-Ministro veio logo na hora da demissão tranquilizar toda a gente, explicando que o plano de recapitalização está aprovado e é indiferente ao naufrágio desta administração.
A ideia de que o parlamento se devia ter acobardado e recusado o dever declarativo, na esperança de que dentro de umas semanas ou meses o Tribunal encerrasse a questão (talvez no fim do ano, dizia ontem um dirigente partidário em entrevista), é uma graçola. É bom de ver que isso traria a Domingues uma nova esperança: se o parlamento lhe dá razão ao rejeitar uma norma que impõe o dever de declaração de interesses, mais motivo para continuar a porfiar pela isenção majestática a que achou que tinha direito. E a Caixa esperaria semanas ou meses.
Marcelo e Costa, que vêem melhor o filme, suspiraram de alívio pela demissão e, sobretudo, pelo não arrastamento desta novela envergonhante. O Presidente já tinha aliás sugerido que o Parlamento aprovasse a norma que ficou definida na semana passada e só pode ter-se regozijado com isso. Ficou agora arrumada uma questão que o governo deixou agigantar e que, quando se tornou visível, já não podia resolver. Só Domingues a podia encerrar, cumprindo a promessa que deve ter sido feita ao Presidente e ao Primeiro-Ministro no sentido de aplicar a lei, ou demitindo-se. Ora, Domingues preferiu fazer tudo o que de pior se poderia imaginar, arrastar a crise e agravá-la com uma argumentação jurídica obtusa, reafirmando mesmo o seu entendimento de que estaria desobrigado da verificação dos registos de interesses e património. Restava a demissão e, para o governo, esta é agora a menos má das soluções e, portanto, quanto mais depressa melhor. Venha agora uma administração tranquila.
Este processo teve ainda uma outra vantagem. Provou que o governo tem que preparar as decisões sobre a banca com cuidado e que não deve contar com seguidismo. Elas não estão abrangidas pelos compromissos da maioria e por isso os novos acordos nesta área têm que se construídos, na CGD, no banco mau, no futuro do Novo Banco, na resposta ao aumento dos juros externos e na gestão do sistema bancário.