O mal que o Governo fez à Caixa
O Governo que tudo deu a Domingues terá agora de impor tudo ao seu sucessor: que aceite e siga os planos definidos. Mas que aplique o mais difícil com muitos cuidados.
1. António Domingues passou mais tempo a negociar a entrada na Caixa do que como presidente da Caixa. Quando foi convidado, em Março passado, o Governo estendeu-lhe uma passadeira vermelha, anuindo a todas as condições: salários iguais ao sector privado; um plano de reestruturação com fechos e rescisões; um plano de recapitalização fortíssimo; carta branca para imparizar créditos; uma mudança do modelo de gestão, dispensando o chairman; e até a dispensa de entrega de declarações de rendimento no TC, para conseguir chamar quem quisesse.
A tudo o que Domingues pediu, o Governo disse sim. De tal modo que o gestor passou umas semanas a ir a Bruxelas e Frankfurt, com o secretário de Estado das Finanças, a apresentar a sua lista de requisitos. Uma vez aceites, Domingues entrou ao serviço. Mas nem três meses durou no cargo.
2. Domingues tinha, em larga medida, razão no que pedia. Que a Caixa devia deixar de ser gerida como um banco público, apresentar contas sólidas, mostrar solidez. E apresentar-se ao accionista sem qualquer ligação de dependência (a não ser a do normal relacionamento entre gestores e accionistas). Se era para ter uma gestão profissional, essas eram as condições.
Domingues não errou nos pedidos. Quem errou foi o Governo, que aceitou e lhe prometeu o que não podia cumprir.
3. Sim, o plano perfeito falhou num detalhe: a política. Porque a Caixa é um banco público. Porque quem apoia este Governo é o PCP e o Bloco. E porque o sistema financeiro não foi incluído no célebre documento para um entendimento da legislatura, com que António Costa chegou ao poder.
No que respeita à banca, esta maioria só tem um ponto em comum: a CGD deve ser 100% pública. De resto, nada: nem salários, nem gestão independente, tão-pouco rescisões, fechos de balcões, dependências externas. Se tudo isto já era difícil de digerir, imaginem a dispensa da transparência.
O erro de António Domingues foi, portanto, este: credulidade no poder de Costa, na palavra do Governo, na resistência do PS. Se foi ingenuidade, durou pouco: a demissão de Domingues é uma manifestação de perda de confiança no accionista, percebendo que este não manda. Não é só uma derrota do gestor, é uma derrota da Caixa.
4. Ironia suprema: o Governo que tudo deu a Domingues terá agora de impor tudo ao seu sucessor: que siga os planos de recapitalização. E que vá fazendo o resto com o menos barulho possível: imparização, rescisões, fechos. Por tudo isto, o caminho mais fácil para Costa e Centeno será escolher, agora, um político e não um gestor bancário. Bastará isso para que todos fiquem aliviados. A política seguirá dentro de minutos.