Um tópico assoma com frequência no debate público europeu, quando se trata de caracterizar a “atmosfera” da nossa época e enumerar os elementos concretos que a determinam: os anos 30 do século passado estão de volta e é com eles que o nosso tempo coincide. Há certamente razões plausíveis e analogias verosímeis que levam a citar e convocar esse passado que nos é oferecido em herança diferida e actualizada. Mas nem por isso devemos esquecer a crítica a esse lugar-comum que consiste em ver o presente através da chave esquemática da concordância de tempos. Na sua versão extrema e sofisticada, esta ideia corresponde à concepção de que a história é constituída por uma sequência de ciclos sujeitos à lei do “eterno retorno”. No final da primeira Grande Guerra, Oswald Spengler, no seu diagnóstico (estavam na moda as metáforas médicas) do “declínio do Ocidente”, estabeleceu uma equivalência entre Pedro o Grande e Carlos Magno, como se fossem contemporâneos, na medida em que os situava em pontos homólogos dos ciclos percorridos pelas respectivas civilizações. E Marx, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, escreveu uma frase que não se tornou inócua, apesar de tão repetida: “Hegel observa algures que todos os grandes acontecimentos e personagens históricos ocorrem por assim dizer duas vezes. Ele esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia e a segunda vez como farsa”.
Mas, afinal, em que pontos incide este discurso das equivalências do nosso tempo com os anos de 1930? Incide na crise financeira de onde ainda não saímos, no desemprego, nas regressões anti-democráticas e autoritárias, no clima nacionalista e xenófobo, no ressurgimento da extrema-direita. Para citarmos o eloquente título de um livro de 2014, dos sociólogos Luc Boltanski e Arnaud Esquerre estamos na via Vers l’extrème, a caminhar para o extremo. Uma série de palavras têm surgido para designar o espaço político onde nos encontramos. Mas em quase todas elas o que há de novo é um prefixo: neo-conservadorismo, pós-democracia, pós-fascismo, neo-fascismo. Dizer que as democracias liberais entraram numa fase “pós-democrática” não é o mesmo que estar às portas do fascismo, como aconteceu nos anos 30. Há uma categoria historiográfica que dá sentido e unidade à política e à ideologia nacionalista e imperial da Alemanha na época da República de Weimar. Essa categoria é a “revolução conservadora”, mas não é facilmente transferível para o nosso tempo e vem complicar um pouco as analogias e concordâncias de tempos. Esse conservadorismo não se apresentava como uma defesa da ordem estabelecida, não se tratava de um simples apelo à conservação do que existia. Ele reclamava-se como “revolucionário” porque lutava activamente pelo restabelecimento de valores e instituições. Um dos arautos da “revolução conservadora” (da qual se afastará, com a ascensão de Hitler ao poder) é o Thomas Mann das Considerações de um Impolítico, apologista da entrada da Alemanha na Primeira Guerra e furioso defensor da Kultur alemã contra a Zivilisation cosmopolita e iluminista. A “revolução conservadora”, na qual podemos integrar figuras tão importantes como Carl Schmitt e Ernst Jünger, teve uma densidade ideológica e cultural que não encontra semelhança no neo-conservadorismo actual, de carácter pragmático e, por conseguinte, muito menos ideologizado. E isto, que parece um pormenor, é o suficiente para produzir uma atmosfera epocal diferente. As imprecações contra o “politicamente correcto” e o multiculturalismo são versões pindéricas de uma cultura de extrema-direita.