O alfaiate de São Bento

Os problemas na educação, saúde, justiça ou transportes, não se resolvem com fatos à medida dos amigos ou dos cúmplices. Resolvem-se com visão estratégica e rigor, sem dogmatismos ou preconceitos ideológicos.

Ser alfaiate é uma arte e um ofício em vias extinção. As velhas alfaiatarias e camisarias de Lisboa dão hoje lugar a modernas lojas de pronto a vestir onde os modelos são padronizados. Não há espaço para qualquer customização ou adaptação. Mas, como sabem, sou um otimista. E a realidade dá-nos hoje razões para pensar que há futuro nesta nobre profissão. Este otimismo que me preenche parte da constatação de que temos hoje um novo alfaiate em Lisboa. Alguém que traz ideias novas, as grifes do momento e originais, sempre adaptados aos interesses e paixões momentâneas do mercado.

Em São Bento, das suas mãos, nascem todos os dias os últimos modelos feitos à medida de quem esteja disponível a passar a mensagem: com a tesoura certa, o modelo correto e a tendência do momento, não há cliente insatisfeito. O mestre da alfaiataria de São Bento dá pelo nome de António Costa. Há cerca de um ano entrou no mundo da moda, costurando à medida da direita e da esquerda, do homem ou mulher, da criança ou idoso. O António tem mãos de fada e transforma tudo o que toca. E não olha a meios para satisfazer o seu cliente. Que o diga o “ministro Mário Nogueira” quando fez a prova da última criação de António, intitulada a “integração de todos precários”. Nogueira, tal como António, sabe que a educação vai perder dezenas de milhares de alunos nas próximas décadas. Ainda assim, insistiram ambos em concretizar o sonho de aumentar o número de professores nos quadros - mesmo que não seja preciso.

As últimas tendências influenciaram também a mais recente criação do jovem alfaiate: a municipalização da Carris. Medina provou o fato e não mais o largou. Que bom receber daquelas mãos de fada uma prenda sem divida, numa altura tão própria como a de um ano eleitoral. A Carris tem sede, imaginem, em Oeiras; opera em Loures, Odivelas e Amadora; mas, espantoso, nem por isso qualquer um destes municípios foi tido ou achado no fato que o António alinhavou ao Fernando. Melhor ainda foi saber que Medina nem a sua própria Câmara consultou sobre o processo. Enfim, a excitação de experimentar a última grife de António leva a estes esquecimentos menores. Desculpáveis a quem desfila com as criações do talentoso alfaiate de São Bento.

Mas António não para, e continua a desenhar e desenvolver fatos e criações para os mais diferentes quadrantes da sociedade. Aos autarcas oferece descentralização, aos sindicalistas oferece maior salário mínimo, ao Bloco de esquerda oferece palco e luzes, ao Partido Socialista oferece lugares em toda a administração, e sempre, mas sempre com esta enorme capacidade de esquecer que é primeiro-ministro de um país pobre, periférico, sem estratégia e cada vez mais endividado.

Este alfaiate faz mesmo fatos à medida, à medida da sua ambição sem medida, que coloca em risco o futuro de Portugal. Talvez afinal António não seja sequer alfaiate. É somente um profissional do arranjo. Uma modista, incapaz de perceber ou definir uma estratégia de desenvolvimento do país. Prefere olhar para os pequenos problemas (ou arranjos) e oferecer soluções à medida de cada um dos seus camaradas de caminhada para o abismo.

Muitos depois de lerem estas linhas dirão, “lá está este e o PSD a serem os profetas da desgraça”. A esses direi apenas o seguinte: é minha obrigação, moral, ética e cívica, gritar bem alto que o Rei vai nú! Não, não é possível transformar Portugal num país com futuro se não formos capazes de fazer a Reforma do Estado que nunca ninguém fez, e que António será a última pessoa a querer fazer. Os problemas na educação, saúde, justiça ou transportes, não se resolvem com fatos à medida dos amigos ou dos cúmplices. Resolvem-se com visão estratégica e rigor, sem dogmatismos ou preconceitos ideológicos. Este país e este tempo não é para especialistas da política à medida dos interesses de cada um. É o tempo, isso sim, para os homens e as mulheres que coloquem o interesse nacional sempre à frente do seu interesse pessoal ou corporativo.    

Sugerir correcção
Comentar