Jim Jarmusch e Iggy Pop: o último hurrah

Jarmusch e Iggy olham-se como iguais, sobreviventes, ou refugiados, de um tempo em que as coisas (o cinema como a música) se mexiam de outra maneira, mais selvagem, mais errática, mas também mais vital e mais genuína: Gimme Danger, sobre os Stooges.

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Iggy Pop é um velho comparsa de Jim Jarmusch, que esteve no episódio mais divertido de Café e Cigarros (em parelha com Tom Waits) e voltou como “travesti” para o Homem Morto (onde era a mais burlesca das personagens). Jarmusch, por seu lado, é o mais “punk rock” dos cineastas americanos, pelo que atirar-se a um documentário sobre Iggy Pop e os Stooges (depois de já ter filmado, nos anos 90, Neil Young e os Crazy Horse) aparece como uma coisa perfeitamente natural. Gimme Danger é ao mesmo tempo muito completo, muito documentado e muito divertido. Se a estrutura é reconhecivel e mil vezes repetida (depoimentos + imagens de arquivo), Jarmusch aproveita o que há de “punk” nessa repetição (como se fosse o equivalente dos clássicos “três acordes”) e injecta-lhe uma energia fora de série: parecendo que não, há um intenso trabalho de montagem, com as muitas imagens de arquivo a funcionarem menos como ilustração do que como reflexo ou comentário do que é dito - em jeito de “gag” ou de “cartoon”, e duma forma que lembra a utilização que Jarmusch fazia dos desenhos animados em Ghost Dog.

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Com o super-articulado Iggy a comandar, cheio de sentido de auto-ironia (a sua oralidade é um espectáculo por si mesma), Gimme Danger é uma história da vida, morte e renascimento dos Stooges contada sempre em relação com o panorama da cultura popular americana dos anos 60 e 70, e por isso tudo, mesmo o que é mais anedótico e mais fait-divers, encontra um tipo de relevância mais vasto e mais significativo. Nisso, aliás, o filme encontra aquele tipo de texturas e cruzamentos inter-culturais, por oposição a arrumar tudo em gavetinhas, que é uma preocupação habitual em Jarmusch. E depois: se há muitas mortes e algumas tragédias pessoas na história dos Stooges o filme é duma espantosa (e muito “punk”) ausência de sentimentalismo, antes sendo uma espécie de “hurrah”, eventualmente derradeiro, por aquelas personagens, as principais como as secundárias.

Parece evidente que Jarmusch e Iggy se olham como iguais, sobreviventes, ou refugiados, de um tempo em que as coisas (o cinema como a música) se mexiam de outra maneira, mais selvagem, mais errática, mas também mais vital e mais genuína - antes da “traição cultural”, como diz Iggy, do momento em que as grandes companhias domesticaram o “rock” (e uma terminologia semelhante se poderia aplicar ao cinema “independente” que foi o viveiro de Jarmusch). Sem dúvida que esse reconhecimento mútuo explica alguma coisa da vitalidade, e sobretudo do sentido de comunhão, deste pequeno e luminoso filme.

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