Estado renova acordo com Joe Berardo e mantém museu no CCB por mais seis anos

Governo e empresário chegam a acordo sobre continuidade da colecção, com renovações automáticas a partir de 2022.

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Joe Berardo vai continuar no CCB, pelo menos até 2022 Nuno Ferreira Santos

A Colecção Berardo vai manter-se no Centro Cultural de Belém (CCB) por mais seis anos (2017-22) e, finda essa data, o acordo firmado esta segunda-feira entre o Governo e o empresário será “automaticamente renovado, se não for denunciado por nenhuma das partes”.

Joe Berardo e o gabinete do Ministério da Cultura (MC) confirmaram ao PÚBLICO o sucesso e o termo das negociações, iniciadas já antes do Verão; a assinatura formal da “adenda ao acordo de 2006” será feita esta quarta-feira no CCB.

Sobre a substância do protocolo, o MC já adiantou entretanto que a decisão sobre se as entradas no Museu Colecção Berardo poderão passar a ser pagas. A Fundação Berardo assumirá, a partir de 2017, as despesas da bilhética, e fica obrigada a garantir entradas grátis pelo menos um dia por semana.

O prazo para a revisão do acordo entre o Estado e Berardo, que permitiu mostrar a colecção de arte moderna e contemporânea deste investidor madeirense no CCB nos últimos dez anos, só termina oficialmente a 31 de Dezembro, mas as duas partes não quiseram esperar para anunciar um novo ciclo de vida daquele que é um dos mais visitados museus portugueses.

A adenda ao acordo, obtido pelo ministro da Cultura Luís Filipe Castro Mendes, que formalmente representou o Governo nas negociações com o empresário, garante que as mais de 900 obras do acervo do Museu Colecção Berardo, instalado em Belém desde Junho de 2007, vão ficar exactamente onde estão, pelo menos até ao final de 2022.

Era urgente que as duas partes chegassem a acordo para que a equipa do museu pudesse começar a trabalhar no calendário do próximo ano. “Não tenho qualquer perspectiva de programação para 2017”, admitiu no final de Outubro ao Diário de Notícias Pedro Lapa, que dirige a instituição desde 2011.

A urgência de Lapa é compreensível, mas certamente não foi fácil renegociar um acordo que, logo no começo, gerou tanta controvérsia e uma tensão quase permanente entre a Fundação Centro Cultural de Belém, que acolheu o museu, e a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo, no âmbito da qual foi criado.

Em 2006, muitos foram os que vieram à praça pública contestar um acordo – assinado por Isabel Pires de Lima, ministra da Cultura do Governo de José Sócrates – que diziam ser altamente lesivo do interesse público, carregando o Estado de deveres e deixando o coleccionador privado com tudo ou quase tudo na mão. Como será a partir de agora, desconhecidos que são ainda os pormenores da “adenda”?

Em Julho, em entrevista ao PÚBLICO, e reconhecendo que o acervo de arte moderna e contemporânea exposto em Belém é “importantíssimo”, o ministro da Cultura garantira que tanto o Estado como Berardo queriam manter a colecção no CCB e que tudo estava a ser feito para que isso acontecesse.

É preciso lembrar, para melhor definir o contexto destas negociações, que o CCB – que esta terça-feira apresenta a sua programação para 2017 – viveu momentos conturbados entre o final de 2015 e o começo de 2016, quando o anunciado projecto para a revitalização do eixo Belém-Ajuda, que o anterior presidente do CCB, António Lamas, tinha sido encarregue de criar pelo Governo de Passos Coelho, abriu um conflito com o executivo de António Costa e a autarquia chefiada por Fernando Medina.

O braço de ferro entre Lamas, o então ministro da Cultura João Soares e Medina acabou por conduzir à demissão do primeiro, que nunca escondeu, tal como os seus antecessores, o desconforto que sentia em relação ao Museu Berardo. “Se tivesse de dispor daquele espaço, não o alienaria a uma única entidade”, disse António Lamas ao PÚBLICO em Novembro de 2014, acabado de chegar a Belém, referindo-se ao facto de o museu ocupar todo o centro de exposições do CCB.

“Situação insustentável”

Antes dele, já António Mega Ferreira, que presidiu à casa entre 2006 e 2012, e Vasco Graça Moura, que a liderou desde 2012 até à sua morte, em Abril de 2014, tinham mantido uma certa tensão com o Museu Berardo. O peso dos seus custos de funcionamento no orçamento do CCB e o facto de ele impedir, na opinião de muitos, que a instituição cumprisse parte da sua missão – a de pôr à disposição do público um programa de exposições temporárias de qualidade – eram os principais pontos de desacordo entre as duas fundações. Pontos que levaram várias vezes ambas as partes a tornarem públicas as suas opiniões, e o presidente do CCB a pedir a renegociação do protocolo entre o Estado e o coleccionador.

Em Agosto de 2013, coincidindo com os cortes de 30% aplicados pelo governo de coligação PSD-CDS à maioria das fundações com participações públicas no seu capital (no caso do CCB foi de 20%, precisamente por causa dos encargos com o Museu Berardo), Graça Moura veio dizer que se vivia naquela instituição uma “situação insustentável” e a exigir uma revisão do acordado com o empresário. Os custos com a Fundação Berardo, 1,2 milhões por ano, assegurados pelo CCB, precisavam, na opinião do então presidente, de ser reduzidos para metade.

O museu mais visitado

E se os custos de funcionamento do Museu Berardo eram já um problema este ano, sê-lo-ão ainda mais no próximo. De acordo com os números do Orçamento do Estado, o CCB deverá dispor em 2017 de 18,3 milhões de euros, menos 0,7% do que o montante anunciado para 2016.

No ano passado, o Museu Berardo voltou a ser o mais popular do país, com 823 mil visitantes, um número que deve ser analisado com o maior cuidado já que nele a entrada é gratuita, ao contrário do que acontece na esmagadora maioria dos restantes (o mais visitados dos museus públicos, o Nacional dos Coches, teve 346 mil visitantes).

A gratuitidade era precisamente um dos pontos contestados por António Lamas, demitido por João Soares em Fevereiro, altura em que foi substituído por Elísio Summavielle. Além de “insustentável” num contexto de fortes restrições orçamentais dentro do próprio CCB, lembrava o então presidente, contrariava os estatutos da própria Fundação Berardo, que no artigo 6.º, consagrado às receitas ordinárias, prevê a cobrança de bilhetes no museu.

A Coleção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea é composta por mais de 900 obras de pintura, escultura, desenho, instalação e fotografia e permite acompanhar os principais movimentos artísticos do século XX, pode ler-se no “cartão de visita” que o museu tem on-line.

O núcleo duro deste acervo é constituído por cerca de 860 obras – as que estão na base do acordo de comodato celebrado em 2006 entre o Estado e o empresário –, avaliadas nesse mesmo ano pela leiloeira Christie’s em 316 milhões de euros. A este conjunto juntam-se as peças compradas com recurso ao fundo de aquisições que o acordo prevê, com contribuições do Ministério da Cultura, do coleccionador e de outros possíveis fundadores, um bolo que só recebeu dinheiro em 2007 e 2008.

De acordo com os estatutos da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo, publicados em anexo ao Decreto-lei que a cria (o n.º 164, de 9 de Agosto de 2006), por ano, e no período entre 2007 e 2015 inclusive, Berardo e o Estado comprometiam-se a colocar neste fundo 500 mil euros cada, o que só aconteceu nos dois primeiros anos de vigência do acordo.

Notícia actualizada às 17h18 de 22/11, acrescentando a informação de que as entradas no Museu Colecção Berardo deverão passar a ser pagas

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