As bandas de versões também têm de ganhar o seu
Há 25 anos que os Cure e os Pixies não são relevantes; tornaram-se bandas que celebram o momento em que o rock alternativo foi aceite. E não há mal nenhum nisso.
Bem-vindos a 1991, o ano em que a música indie explodiu, em que guitarras a bradar, roupas esquisitas e uma atitude negativa perante a vida se tornaram a norma, ao ponto de o mainstream celebrar este caos. Sempre na vanguarda, Portugal recebe dois dos expoentes máximos desse movimento – esta segunda-feira os Pixies, amanhã, terça-feira, os Cure. Só que estamos em 2016, já não há lugar para guitarras nas tabelas de vendas e há duas décadas que Pixies e Cure não fazem uma canção que nos arrepie. Porque iria alguém pagar para os ver ao vivo?
Pelo teatro.
Em 1991 o mundo descobriu os Nirvana (e, consequentemente, toda a banda que fazia barulho com guitarras). Cobain, como Marco Paulo, tinha dois amores: os Beatles e os Pixies. Para Cobain era simples: os Pixies uniam a velocidade e agressão do hardcore à melodia dos Beatles. É também de 1991 um vídeo em que a MTV pergunta a Robert Smith que bandas quer ver num qualquer festival – e a resposta é imediata: os Pixies.
Foi nesse ano que os Pixies vieram pela primeira vez a Portugal – dois anos depois de os Cure aqui terem aterrado. Em 1991 os Pixies andavam em digressão com o ultra-agressivo Trompe Le Monde, o seu último disco (antes do regresso em 2014); em 1991 os Cure andavam ainda na digressão do majestoso Disintegration – o seu último grande disco. A unir Cure e Pixies há o apreço mútuo e o facto de ambos estarem na máxima força em 1991, o ano em que o rock alternativo foi rei. Isso e serem liderados por figuras carismáticas e terem um culto alargado, que subsiste a tudo. Vinte e cinco anos depois ambas as bandas andam de palco em palco, como que a celebrar esse ano – como companhias de teatro especializadas num só género.
Nascidos na new-wave, os Cure competiram com os Joy Division para ver quem é que chegava mais depressa ao fundo do poço, mas depois de Pornography (1982) fizeram uma curva brusca rumo a uma pop estranha e estranhamente apelativa, cujo zénite se encontra em The Head On the Door (1985). Em 1991 fariam uma última homenagem às guitarras, com Disintegration, e desde então não houve um único disco clássico a sair da pena do sr Smith.
Nunca houve propriamente pop, no mundo dos Pixies. Tal como os Cure, a banda de Boston é liderada por uma figura estranha. Se Smith aprecia esborratar a boca com bâton e cultivar uma cabeleireira que se assemelha a um quintal entregue aos cuidados de um stoner particularmente preguiçoso (“Cresce para aí”, pensa ele, enquanto enrola mais um), Black Francis é um gordo careca num mundo de gadelhudos magrinhos. Mas um gordo careca que berrava como se quisesse atirar as suas tripas para fora. Ninguém sabia muito bem do que os Pixies estavam a falar (ovnis, prostitutas, erva, máquinas de partir ossos) mas parecia urgente.
O mundo mudou muito desde 1991 mas estas bandas nem por isso. Black Francis, depois da digressão de Trompe Le Monde, acabou com os Pixies, farto que estava de aturar Kim Deal, a baixista. Mudou de nome, fez fraca carreira a solo e depois voltou à casa de partida para uma série de digressões em que os Pixies replicavam a fúria original. Nesses concertos sem temas novos permanecia tudo na mesma: o poder da bateria ao centro, aquele baixo metronómico segurando o edifício sónico, a voz na frente e aquela guitarra cortante.
Mas era como ver um antigo jogador de rugby, já veterano, em encontros de exibição: os Pixies pareciam querer desesperadamente imitar-se a si mesmos. Kim Deal partiu e em 2014 os Pixies voltaram aos discos – este ano têm Head Carrier, que oscila entre aquele lado meio country de Black Francis a solo e uma tentativa de emanar a mesma agressividade de sempre. Agora que estão todos gordos e entradotes soam todos a gordos e entradotes. (Não por acaso a melhor canção deste último disco, Might as well be gone, é calminha.) Ninguém quer saber destes discos – vai-se a um concerto dos Pixies para ouvir as antigas.
De certa maneira os Cure também se tornaram uma banda de versões dos Cure. A quantidade de pessoas que ouviu os novos discos de 1993 para cá é muito reduzida. Os concertos têm, hoje em dia, três horas, porque o catálogo de canções enormes dos Cure é gigantesco e é isto que se quer: um longo passeio pela memória em que vemos Robert Smith a agradecer pela atenção que ainda lhe é concedida.
Duas grandes bandas de versões que oferecem viagens pelo carreiro da nostalgia, os Pixies esta segunda-feira, no Coliseu do Porto, os Cure terça-feira, em Lisboa, na Meo Arena. Não são a vanguarda de nada, é gente honesta a ganhar o seu.