A diferença do poder
A discussão do aquecimento global já é parte da economia real e entrou nas empresas, no capital, na iniciativa privada, que Trump tanto defende.
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, chegou a Marraquexe para as conversações de alto nível na conferência do clima e declarou abertamente que, em matéria de alterações climáticas, a administração Obama não está disposta a deixar cair a sua política de luta contra as alterações climáticas nem acredita que Donald Trump mantenha as suas ameaças de retirar o país dos acordos do clima — da janela do poder, a paisagem será outra. No mesmo dia, mais de 360 empresas também dos EUA, e muitas delas multinacionais, anunciaram uma posição comum, pedindo ao Presidente eleito que respeite os compromissos assumidos pelo país nos últimos anos e não faça tábua rasa deles.
Mais do que descortinar coincidências entre as duas iniciativas, o braço-de-ferro explicitado perturba a retórica de Trump de tratar as alterações climáticas por “embuste” criado “pelos chineses para tornar a indústria norte-americana não competitiva”, e eleva a questão do aquecimento do planeta a prioridade política. Por outro lado, a entrada em cena de multinacionais, protagonistas do capitalismo, coloca o Presidente eleito frente a contrapartes inesperadas.
Ambos os casos tiraram partido de um momento-chave em que a comunidade internacional está representada em peso em Marraquexe a tentar que o Acordo de Paris tenha pernas para andar — é com esta comunidade que o próximo ocupante da Casa Branca vai ter de lidar, quer queira, quer não.
Desde que ameaçou tirar os EUA dos acordos do clima e levantar as restrições ambientais para a indústria do carvão, do gás e do petróleo poderem explorar mais, Trump conseguiu que as acções das petrolíferas e do sector do carvão valorizassem e as das energias renováveis perdessem. Não foram, no entanto, as renováveis a queixarem-se, mas grandes grupos que vêm de outros sectores. Vêm da química, do retalho, da indústria alimentar, das TIC, da hotelaria, do vestuário, da cosmética, entre outros, e são prova de que as alterações climáticas se tornaram parte do seu modelo de negócio. Ou seja, a discussão do aquecimento global já é parte da economia real e entrou nas empresas (para lá das energéticas), no capital, na iniciativa privada, que o próprio tanto defende.
Ao invés do olhar negativo que fez render na campanha sobre este assunto, as subscritoras da petição mostram o que pode ganhar se recuar na ameaça: criação de empregos, reforço da competitividade, estímulo à inovação, clareza para os decisores financeiros e estabilidade para as próprias empresas. A realidade é especialista em boomerangs.