No ano em que sai da Europa, o Reino Unido entra na Casa da Música

Apesar do "Brexit", 2017 vai ser o ano da música britânica, com Sir Harrison Birtwistle como compositor em residência.

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Ilustração de Ana Torrie para o livro-catálogo da programação da Casa da Música para 2017 DR
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Sir Harrison Birtwistle DR
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Luís Tinoco Rui Gaudêncio
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António Jorge Pacheco Fernando Veludo/ NFactos

O Reino Unido vai ser o “país-tema” da Casa da Música em 2017, e, além de todo um legado histórico-cultural que vem da tradição da polifonia e de Henry Purcell, e que passa por G.F. Händel e Edward Elgar, Benjamin Britten e os Beatles, o Porto vai acolher três figuras que marcam a história mais recente da música britânica:Sir Harrison Birtwistle, James Dillon e Ryan Wigglesworth, que serão os compositores e artistas em residência ou associação.

Não foi por causa do “Brexit”, mas, de alguma forma, o programa que a Casa da Música vai dedicar no próximo ano ao Reino Unido é uma resposta à sua anunciada saída da União Europeia (UE). “Como se imagina, estou a trabalhar na programação de 2017 há já três anos, altura em que não podíamos adivinhar o que iria acontecer. Mas é verdade que calha bem, e que o tema se tornou mais actual do que o seria noutra circunstância”, diz ao PÚBLICO António Jorge Pacheco, antes da sessão pública, esta quarta-feira à tarde, de apresentação da programação da Casa da Música para 2017.

E o director artístico da instituição adianta que muitos dos responsáveis britânicos com quem contactou, na preparação deste calendário, “viram isto como uma nova oportunidade de mostrar à Europa que, do ponto de vista da indústria da música, eles não estão nem querem ficar isolados, antes querem continuar a fazer parte do espaço europeu”.

As consequências do “Brexit”, tanto no “Reino de Sua Majestade” como na relação com a UE e o resto do mundo, são ainda uma incógnita. Também no mundo da música. “Há grandes preocupações, por exemplo, sobre as dificuldades e as barreiras alfandegárias que poderão surgir para a circulação dos artistas, para dentro e para fora”, nota António Jorge Pacheco. E cita o caso de instituições, como a London Music School ou Royal Academy of Music, que vivem muito das propinas dos alunos internacionais. “Se isso for dificultado, as escolas podem fechar”, admite.

Estas questões vão, de resto, estar em discussão, no dia 21 de Janeiro, na conferência O impacto do ‘Brexit’ na vida musical britânica, que reunirá na Casa da Música Sir Nicholas Kenyon, que foi responsável pelos BBC Proms e também pelo Barbican Center, Cathy Graham, do British Council Music, e Susanna Eastburn, programadora, com moderação de Tom Service, crítico do Guardian.

Este será o fim-de-semana (20 a 22 de Janeiro) God Save the Queen!, com que abre oficialmente o ano do Reino Unido. As várias formações da Casa vão revisitar o legado da música britânica, desde o século XVII (Lachrimae, de John Dowland) até à actualidade – destacando-se aqui a interpretação de três obras de Harrison Birtwistle (Earth dances, Theseus game e Three motels, as duas últimas em estreia nacional), o compositor em residência no Porto.

Com 82 anos, e em plena actividade, Harrison Birtwistle “é actualmente o compositor britânico mais internacional  e com mais expressão no circuito das grandes orquestras mundiais”, diz Pacheco. Vai regressar à Casa da Música, onde já esteve por duas vezes, há dois anos, para a estreia do Concerto para piano e orquestra, que então lhe foi encomendado pela instituição.

James Dillon, nome ligado à escola da chamada “nova complexidade”, e outro regresso à Casa, será o compositor em associação, e fará no Porto, na Páscoa, a estreia de outra encomenda, Stabat Mater Dolorosa, a mostrar uma espiritualidade que normalmente se pensa estar arredada do universo da música contemporânea.

Em estreia em Portugal estará Ryan Wigglesworth, "um dos artistas do momento da nova cena musical britânica” – nota o director artístico –, e que tem a particularidade de ser também um maestro “competentíssimo”. “Interessa-nos a colaboração com compositores que sejam também maestros; é muito diferente, e uma mais-valia, termos alguém a dirigir a sua própria música”, acrescenta.

Sinfonias de Brahms e humor na música

Na programação para 2017, vai estar também em destaque a obra de Brahms, com a integral das suas quatro sinfonias, um programa que vem na sequência de outras integrais que a Casa da Música vem dedicando a outros grandes compositores. “É uma forma de aprofundar o conhecimento de um compositor, tanto pelo público como também do lado da interpretação – é a mesma coisa que ir a um museu ver a retrospectiva de um pintor”, diz António Jorge Pacheco.

Haverá o ciclo Grandes Concertos para Violino, que, ao longo do ano, irá percorrer a história da música: Bach, Vivaldi, Beethoven, Tchaikovski, Britten Ligeti e o já citado Birtwistle.

E, como novidade na grelha de programação – ao lado dos festivais históricos e já incontornáveis, como Invicta.Música.Filmes, Música & Revolução ou À Volta do Barroco –, haverá em Setembro o ciclo Humor na Música. Mesmo se não é reconhecido como um género musical, “pode-se fazer, com muita seriedade, imenso humor na música, e de grande nível”, diz Pacheco. Um bom exemplo é a obra de Mozart, Uma piada musical, que será interpretada, em dois concertos diferentes, pela Orquestra Sinfónica do Porto e pela Orquestra Barroca. Ao lado de peças de outros compositores também com sentido de humor, como Mauricio Kagel, Thomas Adès, John Cage e o português Luís Tinoco, que será, de resto, o compositor português em associação – já o jovem compositor em residência será Luís Neto da Costa.

Alguns outros nomes, formações e programas para ver na Casa da Música ao longo de 2017: as estreias em Portugal e/ou no Porto de Beatrice Rana, Seong-Jin Cho e Christopher Park, no Ciclo de Piano; cine-concertos com Luzes da Cidade, de Charles Chaplin; e Nosferatu, o Vampiro, de Murnau, no Invicta.Música.Filmes (Fevereiro); a Sinfonia da Requiem, de Britten, nos Concertos de Páscoa (Abril); a revisita, em Música & Revolução (Abril), de obras que causaram escândalo nos famosos Concertos Promenade, entre a pateada dispensada à estreia, em 1912, de Cinco peças para orquestra, de Arnold Schönberg, até à retirada do programa da obra de John Adams, Short ride in a fast machine, em 1997, após o acidente que vitimou a Princesa Diana; a segunda edição de O Estado da Nação, em que o Remix Ensemble irá fazer uma nova retrospectiva da música portuguesa contemporânea (Maio); o Verão na Casa, no próximo ano com extensões à Maia e a Matosinhos, além dos Concertos na Avenida (Setembro); o regresso do The Tallis Scholars, o ensemble de música vocal mais conhecido do Reino Unido, para À Volta do Barroco (Novembro); e, na Música para o Natal, O Messias e The King shall rejoice, de Händel (Dezembro).

Com a área do pop-rock e do jazz como habitualmente dependente de outros timings de programação, sabe-se já que a Sala Suggia irá acolher, ao longo do ano, alguns nomes de relevo nesta última área, como Brad Mehldau (15 de Fevereiro), Kenny Garrett Quintet (15 de Março), Stanley Clarke Band (3 de Maio) ou Annette Peacock (7 de Junho).

Outra iniciativa nova da Casa da Música será o lançamento do Prémio Novos Talentos, endereçado aos jovens músicos portugueses ou a residir em Portugal. No fim do ano, o público escolherá os três finalistas, que farão um recital final, já em 2018, para decidir o vencedor de um prémio pecuniário no valor de cinco mil euros.

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