Porto Editora e Leya bloqueiam acordo sobre reutilização de manuais
A expectativa era que do grupo de trabalho saísse um relatório com recomendações sobre a implementação concreta da reutilização dos manuais em toda a escolaridade obrigatória.
Depois de seis meses de trabalho, seis reuniões e muitas horas de discussão, o Grupo de Trabalho para a Gratuitidade e Reutilização dos Manuais Escolares, criado pelo Governo para discutir as regras práticas da nova política, não conseguiu chegar a acordo.
Os dois gigantes da edição de livros escolares – Porto Editora e Leya – impediram que houvesse mais do que um consenso mínimo sobre cinco recomendações gerais (como por exemplo, a necessidade de "assegurar que a reutilização não prejudica as aprendizagens") e votaram contra o relatório final.
A expectativa era que do grupo de trabalho saísse um relatório com as recomendações a enviar ao ministro da Educação, sobre a implementação concreta da compra e reutilização dos manuais, um programa a ser posto em prática “progressivamente”, mas “no prazo da actual legislatura”, em toda a escolaridade obrigatória (até ao 12.º ano). Em vez de uma visão conjunta, o documento é um maço de 146 páginas com a posição individual de cada um dos 15 membros do grupo.
O relatório final, a que o PÚBLICO teve acesso, foi enviado esta semana pelo coordenador do grupo, José Couto (chefe de gabinete da secretária de Estado Adjunta e da Educação Alexandra Leitão), às entidades envolvidas e ao ministro Tiago Brandão Rodrigues.
“Lamento não termos conseguido chegar a um consenso”, reconhece a secretária de Estado Adjunta e da Educação, a jurista Alexandra Leitão. “Mas não vemos isso como um fracasso: sempre soubemos que, com a composição deste grupo de trabalho, seria muito difícil chegarmos a consenso."
Sem grande surpresa, os representantes da APEL mantiveram-se intransigentemente contra a nova política do Governo de António Costa de oferecer e reutilizar os manuais escolares. A resposta escrita que a associação de livreiros enviou ao grupo de trabalho ocupa dois terços do relatório final (98 das 146 páginas) e inclui os pareceres encomendados pela Porto Editora e a Leya a quatro entidades, sendo que todas validam a posição anti-reutilização da APEL: o constitucionalista Gomes Canotilho, cuja posição, por ser um académico da ala socialista, foi encarada por alguns observadores como uma aposta forte das editoras; as Escolas Superiores de Educação dos Politécnicos de Setúbal e de Viseu; e a Universidade Católica do Porto.
No voto de vencido, a APEL apresenta-se como “responsável e isenta” e defende que a reutilização “terá consequências nefastas” nos “valores da igualdade de oportunidades, da liberdade de iniciativa económica e de escolha de professores, pais e alunos” e, ainda, no “desenvolvimento de uma cultura de criatividade e inovação”. Os dois gigantes da edição portuguesa acreditam também que é “irrealista e injusto” o Estado oferecer manuais; que a medida “prejudica as famílias mais pobres”, ao mesmo tempo que põe em risco a sobrevivência de 1600 livrarias locais e independentes, destruindo “um sector de actividade fulcral para a economia do conhecimento”.
Manuais mais caros?
A APEL recorre também a argumentos do foro da psicologia e da pedagogia – alguns dos quais incluídos no parecer jurídico de Gomes Canotilho – como as famílias “preferirem comprar os manuais”; ser “fundamental” os alunos terem “uma identificação sólida” e uma relação “empática” com os livros; e ser “altamente desaconselhável” devolver o manual escolar, que deve ser “pessoal e intransmissível”. Num email formal também incluído no relatório, a APEL faz uma última advertência: a manter-se a política de reutilização, os preços dos manuais terão um “significativo aumento”.
Sobre esta ameaça, a secretária de Estado Alexandra Leitão responde laconicamente: “Há neste momento uma convenção assinada com as editoras que estabelece um aumento zero dos manuais – pela primeira vez em anos. Essa convenção não foi denunciada por nenhuma das partes. Não vejo como possa haver aumento do preço dos manuais. Isso seria violar a convenção.”
De toda a argumentação da APEL, o que mais a surpreendeu foi defenderem que os pais não querem livros gratuitos, “quando 92% dos pais portugueses receberam os manuais neste primeiro ano da nova política”, no 1.º ano do 1.º ciclo.
Já para António Pinheiro da CNIPE, uma das associações de pais que integraram o grupo, a estupefacção foi outra: na sua carta de declaração de voto, faz questão de lamentar o que chama de "Monólogo do Livreiro", utilizado pelas editoras para “monopolizar o tempo útil de trabalho” do grupo e afirmar o seu estatuto de “donos disto tudo” (sic).
A Confederação Nacional das Associações de Pais diz, por seu lado, que a distribuição gratuita dos manuais até ao 12.º ano é "um bom princípio" mas que, "em face da actual conjuntura e das dificuldades orçamentais", apresenta-se de "exequibilidade muito difícil em toda a escolaridade obrigatória". E acrescenta: "Mais do que gratuitidade para todos seria preferível a equidade no acesso a todos os bens essenciais para uma aprendizagem de qualidade."
Quem fez parte do grupo de trabalho
O Grupo de Trabalho para a Gratuitidade e Reutilização dos Manuais Escolares foi coordenado por José Couto (chefe de gabinete da secretária de Estado Adjunta e da Educação). E integrou: Natanael Vinha (do gabinete do ministro); Rui Branco (gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares); Alice Portugal (gabinete do secretário de Estado da Educação); Ana Lemos (gabinete do secretário de Estado Adjunto e do Comércio); Pedro Pereira (Instituto de Gestão Financeira da Educação); Luís Ribeiro (Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares); Ana Neves (Direcção Geral da Educação); Paulo Simões (Direcção-Geral das Actividades Económicas); Eduardo Lemos (Conselho das Escolas); Fátima Diniz (Associação Nacional dos Municípios Portugueses); José Gonçalves (Confederação Nacional das Associações de Pais); António Pinheiro (Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação); Isaías Gomes Teixeira, da Leya, e Vasco Teixeira, da Porto Editora (pela APEL, Associação Portuguesa de Editores e Livreiros). No final, cada entidade votou o relatório. Só a APEL votou contra.